Revista Volare Club, de Caxias do Sul, RS, setembro 2014. Autor: Uili Bergamin

ANTÔNIO TORRES

Uma entrevista à revista Volare Club, de Caxias do Sul, RS,

publicada em setembro 2014.

Autor: Uili Bergamin

Antônio Torres é um dos maiores escritores brasileiros da contemporaneidade, autor de livros premiados e traduzidos em diversas partes do mundo. Nascido na pequena cidade de Junco – hoje Sátiro Dias – na Bahia radicou-se no Rio de Janeiro, residindo em Itaipava – Petrópolis.

Em novembro do ano passado, poucos dias após proferir palestra na Feira do Livro de Caxias do Sul, foi eleito para a cadeira número 23 da Academia Brasileira de Letras.

Confira abaixo a entrevista exclusiva que ele nos concedeu.    

Volare Club: Quem é Antônio Torres?

Antônio Torres: Baiano e brasileiro, paulista, carioca, petropolitano e estrangeiro.

VC: Quando e como surgiu sua vocação para a literatura?

AT: Fui despertado para a literatura por duas professoras. A primeira, dona Serafina – que ainda vive já quase centenária – fazia de sua escola um espaço para recitais de poesia (de Castro Alves, Gonçalves Dias, Olavo Bilac) e hinos patrióticos. A segunda chamava-se Teresa, e com ela tive meu batismo na ficção, ao ler o começo de Iracema, de José de Alencar, em voz alta: “Verdes mares bravios da minha terra natal, onde canta a jandaia na fronde da carnaúba”. Talvez tenha sido esse o dia em que o ficcionista aqui nasceu. Vivendo num sertão onde nem rio havia, danei a imaginar como seria o mar e a sonhar com ele. Não há como fugir disso: são as leituras que estimulam as vocações literárias.

VC: Há um tema específico sobre o qual o senhor escreve? García Márquez dizia que todo escritor elege um único tema e o desenvolve durante sua obra. O senhor concorda com isso?

AT: Uma vez, na cidade de Fortaleza, capital do Ceará – a terra natal de José Alencar -, li, no Diário do Nordeste, uma bela resenha assinada pelo seu editor de Cultura, Carlos Augusto Viana, na qual ele dizia que a ficção do locutor que vos fala está centrada na condição humana em seus contrastes. E que, colhidos ao cotidiano, meus personagens, à semelhança dos heróis trágicos, “fogem das coisas só para encontrá-las e delas se aproximam para perdê-las”. O sentimento dessas perdas talvez seja o mais recorrente nas minhas histórias. A ponto de levar meu filho Tiago a me questionar: “Pai, por que você escreve tanto sobre a morte?” Parei, pensei um pouco e lhe respondi: “Porque ela é o maior de todos os temas da vida”.

VC: Ao ler seus livros, percebe-se um trabalho de busca pela palavra certa, o le mot just, como diria Flaubert. Como é seu processo de escrita?

AT: Não chego ao exagero do poeta João Cabral de Melo Neto, cuja obsessão pela palavra no ponto exato levou um amigo dele, e meu, o português Alexandre O’Neill, a exclamar: “O João Cabral afia tanto a ponta do lápis que vai acabar cortando os dedos!” Mas também fico horas e horas mexendo e remexendo no texto, num corpo a corpo insano com ele, sempre a me lembrar de outro poeta, Carlos Drummond de Andrade: “Lutar com as palavras/ é a luta mais vã/ entanto lutamos/ mal rompe a manhã.

VC: Em sua trilogia, formada pelos livros Essa Terra, O Cachorro e o Lobo e Pelo Fundo da Agulha, o senhor descreve histórias de deslocamento social e cultural, vividos pelos personagens. Eles saem de Junco, na Bahia, assim como o senhor, para tentar a vida mais ao Sul. Pergunto: o que é fato e o que é ficção em sua arte?

AT: Digamos que há um fundo de realidade por trás de toda ficção. Por exemplo: a idéia do Essa Terra, que acabou sendo desenvolvida em três romances, surgiu de um fato real que me foi contado por um primo: o desfecho trágico de um imigrante de nossa terra que, poucos dias depois de haver retornado de São Paulo, foi encontrado com o pescoço pendurado a uma corda. Com essa imagem a perturbar meu sono, pois se tratava de alguém que conheci na minha infância, a história foi surgindo e ganhando forma. Já na 26ª edição no Brasil, o Essa Terra, que está chegando a 14 traduções, e, em alguns casos, levando junto O Cachorro e o Lobo e Pelo Funda da Agulha.

Conto isso para dizer que muito me surpreende o interesse despertado aqui e lá fora por essas narrativas escoradas num suicídio, um tema assustador.

VC: O senhor foi jornalista e já publicou livros em diversos gêneros como contos, crônicas e romances. Em qual deles o senhor se sente mais à vontade e por quê?

AT: Sim, tenho passeado por vários gêneros e cenários – rurais, urbanos e da história, como em  Meu Querido Canibal e O Nobre Seqüestrador, dois livros baseados em personagens que existiram – o guerreiro Cunhambebe e o corsário do rei Luís XIV, René Duguay-Trouin, que fez o primeiro seqüestro do Rio de Janeiro, em 1711. Ou seja: a predominância da minha produção é romance. Logo, esse é o meu gênero de eleição. Por que? Vai ver porque vim de um tempo em que se contava longas histórias ao pé de um fogão de lenha, para espantar o medo, nas noites do sertão.

VC: Como anda a literatura brasileira contemporânea? O senhor tem acompanhado o surgimento de novos nomes no cenário nacional? E os leitores brasileiros, prestigiam autores da casa?

AT: O cenário literário nacional anda animado, com muitos nomes surgindo em tudo quanto é canto, sendo que, a meu ver, os do Sudeste e do Sul acabam se impondo mais do que os das outras regiões. Minha sensação, porém, é a de que temos hoje mais editoras do que livrarias, e mais escritores do que leitores. No meio disso surge um problema de difícil solução, ou sem solução: a quase total submissão brasileira ao imaginário global. Do jeito que a coisa vai, com a “gringada” tomando conta do pedaço, nós é que vamos nos tornando estrangeiros em nossa própria casa. Como querem os traficantes de drogas, está tudo dominado.

VC: Está trabalhando em um novo projeto? Se sim, pode adiantar algo?

AT: Há um romance em processo, que tem sofrido brutais interrupções. Mas não posso adiantar nada sobre ele, se não o perderei definitivamente.

DROPS

  • Um livro: Memórias Póstumas de Brás Cubas
  • Um personagem: Brás Cubas
  • Um autor: Machado de Assim
  • Um sonho: escrever sempre.

Entrevista ao Blog CliSertão – em Petrolina, 05/05/12

Entrevista com Antônio Torres

Antônio Torres nasceu no pequeno povoado do Junco (hoje a cidade de Sátiro Dias), no interior da Bahia, no dia 13 de setembro de 1940.

Aos 32 anos lançou seu primeiro romance, Um cão uivando para a Lua, que causou grande impacto, sendo considerado pela crítica “a revelação do ano”. O segundo Os Homens dos Pés Redondos, confirmou as qualidades do primeiro livro. O grande sucesso, porém, veio em 1976, quando publicou Essa terra, narrativa de fortes pinceladas autobiográficas que aborda a questão do êxodo rural de nordestinos em busca de uma vida melhor nas grandes metrópoles do Sul, principalmente São Paulo.

Hoje considerada uma obra-prima, Essa terra ganhou uma edição francesa em 1984, abrindo o caminho para a carreira internacional do escritor baiano, que hoje tem seus livros publicados em Cuba, na Argentina, França, Alemanha, Itália, Inglaterra, Estados Unidos, Israel, Holanda, Espanha e Portugal.

Em resumo: autor premiado, com várias edições no Brasil e traduções em muitos países, Antônio Torres é um dos nomes mais importantes da sua geração, com um obra expressiva que abrange 11 romances, 1 livro de contos, 1 livro para crianças, 1 livro de crônicas, perfis e memórias. além de dois projetos especiais (O centro das nossas desatenções, sobre o centro do Rio de Janeiro – e que rendeu um documentário para a TV Cultura, São Paulo -, e O circo no Brasil, da série História Visual, da Funarte, Fundação Nacional de Arte).

*Texto adaptado do  site oficial  do autor.

A seguir, uma pequena entrevista concedida por Antônio Torres ao nosso blog:

CLISERTÃO – Você estará na mesa “Sertão: espelho, miragens – O Nordeste Mítico e o Nordeste Contemporâneo na Literatura”. O que você pode adiantar da discussão que será trazida para a mesa?

Antônio Torres – O que posso adiantar é que será um prazer participar do Clisertão, em Petrolina – ou seja, à beira do São Francisco e de cara para a Bahia, o meu estado natal. Alegria maior é estar à mesa com o meu querido amigo Raimundo Carrero, escritor que muito admiro e parceiro de tantas jornadas. Quanto ao tema – O Nordeste mítico e o Nordeste contemporâneo na literatura, é uma oportunidade para refletirmos sobre as permanências do legado literário nordestino e suas transformações, em função das mudanças de paradigmas no nosso tempo.

CLISERTÃO – Você tem uma trilogia célebre, iniciada por “Essa terra”, de 1976, seguida por “O cachorro e o lobo”, de 1997, e finalizada com “Pelo fundo da agulha”, de 2006. Todos os livros são ambientados no sertão da Bahia, mas um sertão que muda ao longo dos romances, se moderniza, conhece o progresso. Como o senhor vê e trabalha o sertão?

Antônio Torres – Frequentemente recebo notícias do sertão em que nasci, dando conta da realidade de violência que o assalta, deixando-o em pânico. O que me leva a pensar que o sertão que migrou acaba retornando carregado dos estereótipos (urbanos) da modernidade, sendo o mais notório deles o do tráfico de drogas. No quadro atual, o sertão mítico, ao que me parece, cede o seu lugar de referência a uma cultura de massa imposta pela lógica do consumo – o que afinal está por trás dos índices de violência que conhecemos. A minha sensação é que o mundo está todo igual – no que tem de pior.

CLISERTÃO – No último livro da trilogia a questão da identidade perdida é muito explorada. O personagem sertanejo já não se encaixa nas suas memórias. Fale um pouco do “Pelo fundo da agulha”.

Antônio Torres – Esta é a história: um homem na cama, na primeira noite de sua aposentadoria. Só que era São Paulo esta noite, a cidade onde você é capaz de suportar tudo, quase tudo, menos a falta do que fazer. Eis o conflito básico do personagem cujas marcas (sertanejas) de origem afloram em sua memória. E toda a história passa a girar em torno de uma imagem: a da mãe dele, já velhinha, enfiando uma linha pelo fundo de uma agulha – sem óculos. E tudo o que ele deseja naquele momento é ir ao seu encontro, para saber como ela via o mundo através daquele ínfimo buraco. “Pelo fundo da agulha” é também um balanço da vida de um nordestino, com um certo olhar amoroso para a cidade que lhe acolheu, lhe deu espaço de sobrevivência e experimentações, mas também com a sensação de não-pertencimento.

CLISERTÃO – O fato de você ser nascido no sertão, no povoado de Junco, terra natal também do personagem principal da trilogia, influencia a literatura que você produz?

Antônio Torres – Um ponto de partida: um caso real que me contam, uma lembrança de um rosto, de uma voz, de uma situação que me marcou. Mas o começo depende da primeira frase. Ela é que vai dar o tom do texto, e puxar a fabulação. Muita gente pensa que tudo, ou quase tudo, que escrevo é autobiográfico. Bom, não acho que tenha uma vida capaz de caber em 11 romances, um livro de contos etc. Mas que minhas vivências têm me dando um adjutório considerável, isso tem.

CLISERTÃO – Por que, em sua opinião, o sertão é matéria-prima tão recorrente na literatura brasileira?

Antônio Torres – Imagino que é porque o sertão gerou muitos escritores. Mas não foi um sertanejo que disse: “Escreva sobre tua aldeia que escreverás sobre o mundo” – bem, estou citando isso de memória.

CLISERTÃO – “Sobre Pessoas”, seu último livro, é de crônicas, perfis e memórias. Como foi trabalhar com esse novo formato?

Antônio Torres – Foram uns exercícios efêmeros, como um descanso entre um romance e outro. Mas gostei de publicar um livro com textos, digamos, mais leves, enquanto ganho fôlego para um voo mais largo. O que já venho ensaiando há tempos.

No CLISERTÃO, Antônio Torres estará na mesa redonda “Sertão: espelho, miragens – O Nordeste Mítico e o Nordeste Contemporâneo na Literatura”, no dia 15/05,juntamente com o escritor Raimundo Carrero (PE). A mediação será da  Profª Elisabet Moreira (UPE/IFE).