Entrevista a Carlos Ribeiro

ENTREVISTA – Antônio Torres lança edição comemorativa de 25 anos do romance Essa Terra.
Jornal A Tarde – 11/06/01
Carlos Ribeiro

“SEMPRE ME COLOQUEI AO LADO DOS OPRIMIDOS”

Um dos mais importantes romances da literatura brasileira contemporânea, Essa Terra, de Antônio Torres, ganha reedição comemorativa aos 25 anos, pela Record. O acontecimento trouxe, mais uma vez, o escritor baiano, autor de O Cachorro e o Lobo e de Meu Querido Canibal, para debaixo dos holofotes: somente na X Bienal Internacional do Livro do Rio de Janeiro, realizada recentemente, ele participou de dois debates e de uma sessão de autógrafos, no estande da Record. A agenda cheia do escritor inclui a participação em um café literário, na Piazza Navona, em Roma, e (ainda este ano) na Feira Internacional do Livro em Guadalajara, no México, onde será lançada a edição em espanhol de Essa Terra, pela Casa de Las Américas. Além disso, já foi proposta, por uma editora espanhola, a publicação de Meu Querido Canibal, para todos os países de língua hispânica.

Na entrevista a seguir, feita no café da livraria Letras e Expressões, em Ipanema, Torres fala sobre o interesse crescente pela obra dele, sobre os temas que ela suscita, como a solidão, o suicídio e o sentimento de não-pertencimento de seus personagens. E afirma: “É preciso que os autores regionais persigam um texto que esteja inserido na contemporaneidade e que estejam mais afinados com as questões do nosso tempo”.

P – Ao que você atribui o interesse crescente por sua obra, além, é claro, de sua evidente qualidade literária?

R – A um conjunto de fatores: primeiro, da minha inserção no quadro internacional. Os meus livros estão sendo editados em muitos países, têm sido temas de teses em várias universidades, na Itália, na Alemanha, em Portugal. Tenho recebido convites para vários congressos. Deve-se considerar, também, a minha passagem para a editora Record, num momento em que ela deixava de ser um contêiner de best-sellers estrangeiros, para tornar-se uma grife de autores nacionais, com a entrada de Luciana Villas-Boas.

P – A Record está reeditando seus livros anteriores. Isto se deve ao sucesso alcançado por o Cachorro e o Lobo?

R – Consegui, com a edição de O Cachorro e o Lobo, uma unanimidade da crítica, em 1997. Ele ficou nas listas de melhores e ganhou o prêmio hors-concours de romance da União Brasileira de Escritores, do Rio de Janeiro. No ano passado, foi publicado na França com uma excelente repercussão, não só da crítica francesa, como da belga e da suíça. Daí, a editora fez um programa de novas edições: relançou Os Homens dos Pés Redondos e a Balada da Infância Perdida, publicou o livro de contos Meninos, Eu Conto e lançou, fortemente, Meu Querido Canibal. Todos tiveram enorme repercussão.

P – O sucesso dos seus livros são uma prova de que é possível ser um autor bem-sucedido sem fazer concessões?

R – Sim, e isso me dá uma grande satisfação, porque nunca escrevi nada para ser vendido. Nunca fiz concessão de espécie alguma, nem política, nem ideológica, nem mercadológica. Nunca submeti meu texto a uma ideologia, embora seja um autor de esquerda. Sempre me coloquei ao lado dos oprimidos.

P – Você se considera, como os personagens do seu livro, um retirante?

R – A minha trajetória pessoal de retirante plasmou meu próprio texto, minha escrita. O fato de ter sido arrancado da minha terra foi fundamental na construção do meu imaginário e isso se reflete no meu texto. Carlinhos de Oliveira dizia que o meu texto situava-se no eixo do deslocamento nacional. Eixo de mão dupla: deslocamento externo e o interior, da repercussão dessa viagem dentro dos personagens. Isso dá um caráter diferenciado dos autores localistas. Essa Terra não é regional, no pé da letra. Por isso, talvez, ele seja cada vez mais apreciado no exterior.

P – Isso se deve também ao fato de suscitar questões relativas aos Estudos Culturais, tão em voga atualmente nas universidades americanas?

R – Existe uma contextualização dentro do quadro internacional. Ele está sendo discutido dentro de questões contemporâneas, como o pós-colonial, o lugar do não-pertencimento, do descentramento do homem no seu espaço cultural. Tudo isso leva o texto a ser enquadrado dentro dessa discussão.

P – Qual o problema principal dos escritores que moram fora do eixo Rio-São Paulo?

R – Afora os mineiros e os gaúchos, todos reclamam dessa questão de estar fora do eixo Rio-São Paulo. Eu penso o seguinte: é claro que existe uma concentração excessiva da produção, da distribuição e da circulação nesse eixo. Mas, no caso do Nordeste, a coisa agrava-se por falta de iniciativas locais que criem pólos regionais fortes na área do livro. Existem estatísticas que apontam para um número muito baixo de vendas de livros em todo o Nordeste: apenas 14% em todo o quadro nacional. Isso enfraquece as editoras da região.

P – É preciso realmente morar no Rio e em São Paulo para se conseguir uma projeção em nível nacional?

R – Existem muitos autores que penam por não estar aqui (lá), onde as coisas realmente acontecem. Inclusive gente que vem com produção desde os anos 60 e não consegue retomar o passo no eixo editorial. Mas, no caso da Bahia, existem nomes de muita visibilidade nacionalmente. É o caso de Ruy Espinheira Filho e Ildásio Tavares, que têm seus espaços. Luiz Antonio Cajazeira Ramos está despontando bem por aqui (lá). Agora mesmo, Myriam Fraga participou do júri de um prêmio importante, o Maison de France – Finac, do Consulado Francês, que vai premiar a melhor tradução francesa no Brasil, nos últimos anos.

P – A questão básica, me parece, não é de discriminação em relação a escritores de outras regiões, mas de uma certa indiferença com relação a quem não está convivendo ali, num mesmo espaço…

R – O que eu acho é que os baianos precisam mexer-se mais. Mesmo porque, não é verdade que se fechem as portas para autores nordestinos. O Rio é muito aberto, basta ver a quantidade de autores de outros Estados que se integraram à vida cultural da cidade, como José Lins, Graciliano Ramos, Rubem Braga, Fernando Sabino. É preciso estar no lugar certo. Glauber Rocha dizia que todas as cidades são uma aldeia nos seus lares e bares, e a aldeia do Rio de Janeiro é a zona sul. É Copacabana, Ipanema, Leblon. O badalo aqui é no centro da cidade ou nesse eixo.

P – Como você vê a produção literária que é feita hoje fora desse eixo?

R – É preciso que os autores regionais persigam um texto que esteja inserido na contemporaneidade, que estejam mais afinados com as questões do nosso tempo. É preciso sair da dicção neoparnasiana, neo-rilkiana, da qual muitos poetas de hoje estão impregnados. Isso não só no Nordeste, como também no Rio. Devemos evitar o modernoso, mas é preciso estar mais afinado com a linguagem da contemporaneidade.

P – Que diferença existe entre a abordagem do sertão em seus livros e a do romance realista dos anos 30, por exemplo?

R – Hoje, o Brasil urbanizou-se e, talvez, os meus livros estejam preenchendo esses espaços, mas numa perspectiva muito diversa. Na verdade, existem muitos livros com a dicção dos anos 30, e não dá mais para se fazer isso. O Nordeste hoje continua com problemas dos anos 30, mas já não é mais o mesmo. A urbanização chegou lá. Eu estive agora em Junco, atual Sátiro Dias. O que vi lá: uma cidadezinha cheia de antenas parabólicas, internetada, asfaltada, mas triste. Os jovens estão todos fora e lá é, agora, um mundo de velhos indo para a igreja, encomendando a alma a Deus porque estão perto da morte. Havia uma sociabilidade que não tem mais hoje. É desse interior que estou tratando. O Cachorro e o Lobo trata disso.

P – O que permanece igual? O que liga o agora com o passado?

R – Uma coisa, que havia antes, continua: o suicídio. Um primo meu se enforcou, e as pessoas dizem: igualzinho ao seu livro. Há casos de suicídios de crianças: uma menina de 15 anos e um menino de 16 mataram-se. Uma amiga fez algumas perguntas que calaram fundo em mim: Como foi, o quê, por quê? Algo ligado à solidão? À falta de perspectivas? Esse é o problema existencial mais forte do ser humano. Camus tratou disso em O Mito de Sísifo, quando disse: pouco importa que o dia tenha 24 horas, que a Terra tenha movimento de rotação, quando o homem se pergunta se vale a pena viver.

P – O suicídio está relacionado ao desenraizamento físico, geográfico, que passa a ser um desenraizamento existencial?

R – A questão resume-se no seguinte: talvez o homem que troca o seu lugar por outro perca o seu lugar e não conquiste o outro. Refiro-me, no caso, à massa de retirantes. Vale dizer que não é a seca que expulsa, é a civilização que atrai. Ela cria a sedução do progresso da modernidade. Senti isso na minha infância com o surgimento, em Junco, do primeiro caminhão, que endoideceu o lugar. Era a promessa do divertimento, o sonho do consumo, surgido no final dos anos 50. A estrada era a viabilização do sonho de partir.

P – Um sonho semelhante, hoje em dia, aos brasileiros que vão morar no exterior?

R – Sim, daí o fato de os meus livros encaixarem-se na questão da diáspora, do lugar do não-pertencimento, tratados na contemporaneidade. O texto acopla-se nessa questão, que é um fenômeno novo, no Brasil, que é o da migração para o exterior. O cineasta Paulo Thiago me disse: “O seu personagem não está em São Paulo, ele está nos Estados Unidos”.