O gato Minu sente saudades da bagunça

Jornal do Brasil, Idéias & Livros, 17 de março de 2007
Aline Nascimento

É comum que escritores mais afeitos à literatura para adultos cedam ao encanto de escrever para crianças. Jorge Amado e Henry Miller que o digam. Antônio Torres acaba de aderir também. Reuniu realidade e fantasia em Minu, o gato azul, sua obra de estréia na literatura infantil.

A história do gato que vive aprontando pela casa foi inspirada no próprio animal de estimação de Torres – também chamado Minu – e em seus dois filhos. O livro nasceu de um convite da editora Rocco para a coleção Bichos e outras histórias, que reúne importantes nomes da literatura brasileira escrevendo histórias sobre animais destinadas às crianças. O autor, no entanto, garante que não pretende continuar escrevendo livros infantis.

Muito paparicado por todos de casa, que sempre achavam que ele dormia “como um anjo”, a alegria do gato azul era encontrar uma porta aberta. A sala de visitas com tapetes, poltronas e sofás vira m parque de diversões para o pequeno animal. Todas as aventuras são muito bem ilustradas por Adriana Renzi.

Na narrativa, Antônio Torres cria um gato sonhador, que pede a sua fada madrinha para conhecer a Rússia – de onde veio sua espécie. O gato relembra as brincadeiras na época em que havia crianças pela casa. Sente saudades. “Minu acaba de descobrir o sentido da palavra saudade. De tanto conviver com as pessoas, já entendia alguns de seus sentimentos”, escreve Torres.

O livro fala também da comunicação dos humanos com os animais, que mesmo não falando a mesma língua acabam se entendendo. A relação de carinho e companheirismo entre homens e bichos.

Durante a noite Minu investiga a casa para ver se não há nenhum movimento e se o caminho está livre para suas explorações e passeios pelos cômodos. O problema é quando se depara com o dono da casa no escritório e seus planos vão por água abaixo.

Neste momento, o escritor dialoga com os pequenos leitores: “Sim, meninos: o manhoso Minu está se sentindo como um rato que caiu na ratoeira. Mas esperem aí que ele já está bolando um jeito de dar a volta por cima”.

Sempre que aprontava, o gato voltava para a cama e ficava bem quieto, muitas vezes fingindo que estava dormindo para que os humanos não desconfiassem de suas bagunças. Como uma criança levada.

Cães e gatos no mundo da razão

O Estado de São Paulo, Caderno 2, 21 de Julho de 2007
Antonio Gonçalves filho

O escritor Isaac Bashevis Singer (1904-1991), Nobel de literatura em 1978, disse certa vez que, numa época marcada ela deterioração da produção literária adulta, livros para crianças podem representar a única esperança e refúgio. A cada geração, livros infantis espelham a sociedade em que surgem, conclui o historiador e autor americano Leonard S. Marcus, autor de outra célebre frase: “Crianças sempre têm o livro que seus pais merecem”. Pensando exatamente na qualidade do texto literário dirigido ao público infantil, a jovem editora Ana Martins Bergin, da Rocco, teve a idéia fazer uma lista de grandes autores brasileiros, convidando-os a escrever seu primeiro livro para crianças. O resultado desse convite é a coleção Bichos & Outras Histórias, que comemora 100 mil exemplares vendidos, número bastante expressivo num mercado ainda tímido, embora em expansão.

O mais recente livro da coleção, que já conta com cinco títulos, Minu, o gato azul, foi escrito pelo jornalista e autor baiano Antônio Torres, que descobriu sua vocação literária na escola rural de sua terra natal, Junco. A reação inicial de Torres, autor de livros para adultos, foi dizer não ao convite da editora. Chevalier dês Arts ET dês Lettres na França, o escritor parecia mais à vontade tratando de temas como migrações e o exercício da memória como sobrevivência, assunto para adultos, evidentemente. Como, então, escrever para crianças sem cais na armadilha de produzir fábulas moralistas? Torres refletiu e aceitou o desafio. Minu seria não só a história de um gato – inspirada no bichano de estimação do premiado escritor –, mas principalmente uma tentativa de explicar o indecifrável para os pequenos, sentimentos com ausência e saudade experimentados por um felino.

Torres mal sabia que teria de explicar a si mesmo esse sentimento. Minu, o gato, morreu assim que o livro foi lançado. A casa vazia sentiu a falta do bichinho, que aprontava todas e depois voltava para sua caminha para “dormir como um anjo”. Como uma criança de contos de fada, Minu teve madrinha, acompanhou ainda filhote as fábulas que as crianças de torres ouviram e ocupou um lugar especial na família. “Ele agregava a todos, era o seu verdadeiro núcleo”, relata o escritor, atribuindo a Minu uma qualidade que tenta transmitir a seus jovens leitores, o valor do presságio, do instinto animal, quando a razão parece insuficiente para responder incômodas perguntas, como porque as pessoas envelhecem e morrem. “Envelhecer, para Minu, é não sentir mais cheiro de menino em casa”, resume Torres. É ver esses meninos abrirem a porta, saírem e voltarem já adultos.

Torres que lançou Pelo fundo da agulha (Editora Record) e Sobre pessoas (Editora leitura), ambos para adultos, gostou da experiência de escrever para crianças, mas conta que não foi nada fácil. “A editora teve muita paciência e eu, bem, eu tive de reescrever o livro várias vezes”, admite.

[…]

Grandes autores para pequenos leitores

Minu na Revista Cult, nº 112, ano 10
Geraldo Galvão Ferraz

Escrever livros infantis não é para qualquer um. Quem passa pelas seções especializadas das livrarias, pode ter dúvidas quanto a isso: parece que o número de autores para crianças tem se multiplicado em velocidade galopante.

Porém, há meso um porém. A quantidade não quer dizer nada, no caso. Os bons autores, que não estragarão os neurônios tenros, continuam raros.

Na busca de soluções qualitativas, as editoras têm recorrido recentemente a bons escritores da literatura adulta ou a autores clássicos para rechear seus catálogos, com a garantia – de nível literário e de possibilidades comerciais – de nomes já consagrados.

[…]

Da Rocco, numa série chamada Bichos e outras histórias, sai “Minu, o gato azul”, de Antônio Torres, com ilustrações de Adriano Renzi. Minu é um bichano safado, travesso e sonso, que mesmo aos 15 anos de idade, adora brincar e fazer bagunça, sobretudo com os papéis em cima da mesa do dono escritor. Ele não pode ver uma porta aberta e, cansado dos seus passeios, dorme na sua caminha, “como um anjo”, dizem os humanos. Com humor e muita percepção das manias felinas – não é à toa que Antônio Torres, o áspero e sério autor de Essa terra ou Um cão uivando para a lua, tem um gato na vida real, chamado Minu.

[…]