Cães e gatos no mundo da razão

O Estado de São Paulo, Caderno 2, 21 de Julho de 2007
Antonio Gonçalves filho

O escritor Isaac Bashevis Singer (1904-1991), Nobel de literatura em 1978, disse certa vez que, numa época marcada ela deterioração da produção literária adulta, livros para crianças podem representar a única esperança e refúgio. A cada geração, livros infantis espelham a sociedade em que surgem, conclui o historiador e autor americano Leonard S. Marcus, autor de outra célebre frase: “Crianças sempre têm o livro que seus pais merecem”. Pensando exatamente na qualidade do texto literário dirigido ao público infantil, a jovem editora Ana Martins Bergin, da Rocco, teve a idéia fazer uma lista de grandes autores brasileiros, convidando-os a escrever seu primeiro livro para crianças. O resultado desse convite é a coleção Bichos & Outras Histórias, que comemora 100 mil exemplares vendidos, número bastante expressivo num mercado ainda tímido, embora em expansão.

O mais recente livro da coleção, que já conta com cinco títulos, Minu, o gato azul, foi escrito pelo jornalista e autor baiano Antônio Torres, que descobriu sua vocação literária na escola rural de sua terra natal, Junco. A reação inicial de Torres, autor de livros para adultos, foi dizer não ao convite da editora. Chevalier dês Arts ET dês Lettres na França, o escritor parecia mais à vontade tratando de temas como migrações e o exercício da memória como sobrevivência, assunto para adultos, evidentemente. Como, então, escrever para crianças sem cais na armadilha de produzir fábulas moralistas? Torres refletiu e aceitou o desafio. Minu seria não só a história de um gato – inspirada no bichano de estimação do premiado escritor –, mas principalmente uma tentativa de explicar o indecifrável para os pequenos, sentimentos com ausência e saudade experimentados por um felino.

Torres mal sabia que teria de explicar a si mesmo esse sentimento. Minu, o gato, morreu assim que o livro foi lançado. A casa vazia sentiu a falta do bichinho, que aprontava todas e depois voltava para sua caminha para “dormir como um anjo”. Como uma criança de contos de fada, Minu teve madrinha, acompanhou ainda filhote as fábulas que as crianças de torres ouviram e ocupou um lugar especial na família. “Ele agregava a todos, era o seu verdadeiro núcleo”, relata o escritor, atribuindo a Minu uma qualidade que tenta transmitir a seus jovens leitores, o valor do presságio, do instinto animal, quando a razão parece insuficiente para responder incômodas perguntas, como porque as pessoas envelhecem e morrem. “Envelhecer, para Minu, é não sentir mais cheiro de menino em casa”, resume Torres. É ver esses meninos abrirem a porta, saírem e voltarem já adultos.

Torres que lançou Pelo fundo da agulha (Editora Record) e Sobre pessoas (Editora leitura), ambos para adultos, gostou da experiência de escrever para crianças, mas conta que não foi nada fácil. “A editora teve muita paciência e eu, bem, eu tive de reescrever o livro várias vezes”, admite.

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