Entrevista à Vandré Abreu e André de Lleones http://www.canissapiens.blogspot.com/
Sem perder o ritmo e rumo das horas
Em entrevista exclusiva, o escritor Antônio Torres fala sobre Pelo Fundo da Agulha, seu romance recém-lançado, suas influências e a finalidade da literatura nos dias de hoje, dentre outras coisas.
Antônio Torres é um menino. Um menino nascido em 1940, no interior da Bahia. Autor de mais de uma dezena de livros, muitos dos quais traduzidos em países como Holanda, Estados Unidos, Israel, França, Itália, Bulgária e Alemanha, Torres recém-lançou Pelo Fundo da Agulha (Ed. Record, R$ 34,90). Com ele, fecha a trilogia iniciada há trinta anos com Essa Terra, já em sua vigésima edição, e que teve prosseguimento com O Cachorro e o Lobo. Nesses livros, escreve, para usar expressão de Affonso Romano de Sant’Anna, sobre o “seu Nordeste”, a sua Junco natal, da qual muitos fogem e para a qual outros tantos convergem. São romances habitados por homens partidos ao meio, divorciados de sua terra e de si mesmos. Para gente assim, muitas vezes só resta o suicídio.
Poucos escritores contemporâneos escrevem sobre temas tão complexos
de forma marcante, e Antônio Torres é um deles. Com uma vantagem:
mantém, “por malandragem”, um diálogo efetivo com as novas gerações de
autores. Torres conversou conosco sobre este e outros assuntos de sua
residência em Copacabana, no Rio de Janeiro.
“Pelo fundo da agulha” encerra uma trilogia iniciada com “Essa Terra” e “O Cachorro e o Lobo”. Quando escreveu “Essa Terra”, já tinha isso planejado? Se não, quando lhe ocorreu isso?
ANTÔNIO TORRES – Nunca tinha pensado antes em fazer desdobramentos da história do Essa Terra. A coisa começou num dia de chuva aqui em Copacabana, onde moro. Senti o cheiro da terra com as primeiras pancadas da água e me lembrei de uma canção do belga Jacques Brell, Ne me quittes pas, na qual ele canta: “Eu te oferecerei pérolas de chuvas vindas de um país onde nunca chove”. Aí me lembrei do lugar onde nasci, que antigamente se chamava Junco (hoje, cidade de Sátiro Dias), no sertão da Bahia. Lá era seco. Depois de longas estiagens, quando chovia, os homens vestiam terno branco e rolavam na lama de tanta alegria. Foi aí, com essa lembrança, que me veio a idéia de escrever O Cachorro e o Lobo, que é uma revisita ao Essa Terra 20 anos depois. Nesse livro, há uma imagem forte, de uma mãe passando a linha pelo fundo de uma agulha, sem óculos. Essa imagem viria a ser o ponto de partida para a escritura de Pelo Fundo da Agulha, que aí está, causando emoções e machucando corações.
Um dos temas desses livros é o suicídio. Em O Mito de Sísifo, Albert Camus argumenta que o suicídio é o único problema filosófico relevante. O que pensa acerca disso?
AT – Assino embaixo. Tanto que, em dado momento de Pelo Fundo da Agulha, eu reproduzo um longo trecho de O Mito de Sísifo.
Que escritores ajudaram a definir seu estilo?
AT – Meu estilo começa na infância no sertão, ou seja, na cultura popular que vem da literatura de cordel, das lendas de um povo, dos cânticos religiosos e profanos, das festas populares. Venho de um mundo de contadores de história e isso formatou meu imaginário. Quanto às influências eruditas, incluo Machado de Assis, os romancistas da chamada Geração de 30 (Jorge Amado, Graciliano Ramos etc.), e os norte-americanos, como William Faulkner, Scott Fitzgerald, Ernest Hemingway, Truman Capote, e tudo mais, de Dostoievski ao francês Boris Vian, de James Joyce ao português José Cardoso Pires.
A esmagadora maioria das pessoas não lê ou procura apenas livros de auto-ajuda. Por que tantos ignoram ou desconhecem a grande Literatura?
AT – Outro dia fizeram uma pergunta parecida para o escritor norte-americano Gore Vidal. A questão era: “Por que os grandes autores dos Estados Unidos há muito tempo não figuram mais nas listas de best-sellers?”. Ele respondeu que literatura sempre foi mesmo para poucos, mas, no nosso tempo, os leitores de literatura estão se tornando menos ainda. No ano passado, durante uma conferência numa universidade francesa, um estudante me perguntou: “Como o senhor explica o seu país, que deu escritores como Machado de Assis, Graciliano Ramos, Jorge Amado, Guimarães Rosa, Clarice Lispector, e até o senhor (risos), ter as listas de best-sellers que tem hoje?”. Respondi: “São as mesmas de Paris. Porque o mundo ficou igual naquilo que tem de pior. Não eram vocês que queriam derrubar o Muro de Berlim? Agora, agüentem a auto-ajuda”.
Ainda é preciso escrever? Ou a literatura, para citar Kant, é uma finalidade sem fim?
AT – Para mim, é uma razão de viver. Então, como pode ser uma atividade sem fim? Apesar de tudo, ou talvez por causa de tudo, nunca houve tantos escritores no mundo quanto hoje. E me refiro aos de literatura. Basta ver o exemplo do Brasil. A quantidade de jovens escritores que vêm surgindo, e alguns muito bons, é um espanto! Melhor assim.
O senhor é um dos poucos autores consagrados que mantém um diálogo efetivo com as novas gerações. Em que medida essa troca é importante?
AT – Para mim, é fundamental. Como dizia o poeta João Cabral de Melo Neto, “o novo infecciona o velho”. Procuro acompanhar a produção dos jovens e dialogar com eles por pura malandragem. Assim, espero, não perderei a dicção do nosso tempo. Mantenho-me atualizado com as técnicas de linguagem, maneiras de ver o mundo e de fazer literatura. Logo, não pense que é porque eu sou bonzinho que me relaciono bem com os escritores mais novos. É para não perder o ritmo e o rumo das horas.