Torres: herdeiro de Graciliano

Revista Soviética – Ficção Contemporânea
Texto – O. Fiedossov
Tradução – Eduardo Serra e Carlos Azevedo

O primeiro livro de Antônio Torres, o romance Um Cão Uivando para a Lua, foi publicado em 1972. Depois disso, Torres publicou mais quatro romances, e seu nome entrou no rol dos mais conhecidos jovens escritores do Brasil (Loyola Brandão, Ivan Ângelo, Márcio Souza, Oswaldo França Jr., João Ubaldo Ribeiro e outros).

Oriundo do Nordeste, Torres reelabora a temática nordestina de Jorge Amado e Graciliano Ramos. De Graciliano, ele se aproxima principalmente quanto à sobriedade impetuosa na descrição da sociedade brasileira, a austeridade da narração, quase não deixando lugar para o lirismo. Mas Torres é um escritor absolutamente original, dotado de um estilo próprio, de uma maneira particular de perceber e se expressar. Nos seus livros, não há as características românticas e pitorescas como em Jorge Amado. Torres não se apresenta somente com um “contador de histórias”, que conduz sua narrativa de forma linear: as repentinas trocas de tempo e lugar de ação, os deslocamentos instantâneos no passado longínquo, que subitamente se rompem na descrição dos acontecimentos do dia-a-dia, são os seus traços característicos. Assim se tem uma impressão de anotações de diário, dos pensamentos humanos caprichosamente pulando de um assunto para outro. Este recurso possibilita ao autor levar o leitor a uma atmosfera de vazio, de instabilidade e desconforto que reina no espírito de seus personagens, no mundo interior de uma sociedade de privada de firmes princípios morais.

Na sua obra, como na de muitos escritores da América Latina, um dos principais temas é o isolamento, a incomunicabilidade e a alienação do homem no mundo sem sentimento e cruel da cidade grande, freqüentemente representada por Torres como uma enorme casa de loucos. A desestruturação psíquica e o suicídio – constantes desenlaces de seus enredos – atingem os seus personagens, atormentados pela falta de perspectiva e pela impotência diante do mal social (Um Cão Uivando para a Lua, Essa Terra e Carta ao Bispo).

O romance Adeus, Velho é uma reflexão do escritor sobre o passado e o presente do Brasil; sobre o tempo das transformações sócio-econômicas do pós-guerra; sobre o destino de sua geração. É um relato sobre as pessoas que conseguiram romper com a bolorenta e miserável vida do interior atrasado. Mas a nova vida, o futuro sedutor para onde se refugiaram do passado os jovens cheios de esperança, nada trouxe para eles a não ser cansaço e decepção.

Torres deu ao romance um titulo que tem duplo sentido: pode ser entendido como Adeus, meu pai. A ação, no sentido estrito da palavra, a trama propriamente dita, se desenrola no decorrer de 30 horas. No entanto, a base do livro se compõe de lembranças do passado. O velho Godofredo o personifica, representando o sistema de valores que ele não consegue transmitir aos seus inúmeros descendentes. O adeus ai agonizante Godofredo é, de uma certa forma, um adeus a um passado do Brasil. Desenvolvendo o tormentoso tema da passagem do velho para o novo, Torres pinta um triste quadro da decomposição do regime secular da vida do interior e da agonia espiritual de uma grande família patriarcal. As tentativas de Godofredo de reter os filhos na “terra” acabam num insucesso cruel, impondo-lhes uma vida tal como viveram muitas gerações de camponeses, cujo ganho agora “mal chega para colocar no prato feijão com farinha e tomar um gole de cachaça”. Eles se dispersam pelo mundo, sempre perdendo contato com a casa e uns com os outros.

No centro da narrativa, uma jovem mulher, Virinha, uma das filhas do velho Godofredo, que fugiu da estagnação da vida rural, para Salvador, a capital do Estado da Bahia. Ela é evidentemente impotente na luta diária pela sobrevivência, onde não há nada nem ninguém em que se apoiar, ninguém se importa com ninguém, e as pessoas sofridas se entrechocam com indiferença. Acusada de um crime, Virinha cai na prisão, uma dolorosa experiência na qual ela fica praticamente sozinha. Ela não consegue nem mesmo a compreensão do irmão Zulmiro, o único parente que lhe deu ajuda. Enquanto isso, o pai, agonizante, consciente da inutilidade das tentativas de impor sua vontade aos filhos, faz a única coisa que pode: manda dinheiro para pagar o advogado. A história de Virinha é uma amarga ilustração da dura situação da mulher brasileira. É uma critica ao sensacionalismo da imprensa burguesa, interessada não tanto na busca da verdade e na expressão sincera dos acontecimentos, quanto no aliciamento de leitores através de reportagens escandalosas. A história do filho adotivo de Godofredo, Zé Preto, um negro selvagemente espancado pela policia por um suposto roubo, soa como uma condenação da crueldade e d preconceito racial. Os bate-papos dos camponeses no botequim testemunham a crescente incredulidade no meio deles: não sentem ódio nem mesmo das palavras, chocantes para os fiéis, ditas pelo seminarista que não chegou a ser padre, sobre Deus e sobre os sacerdotes “que só sabem encher a pança e o bolso e depois das o fora, deixando um monte de besteira na cabeça do povo”.

O romance é escrito na maneira caracteristicamente fragmentada de Torres e, à primeira vista, com uma exposição assistemática dos fatos e acontecimentos, sem uma linha central clara. No entanto, os fatos fragmentados são postos numa ordem temática. Um dos capítulos fundamentais do romance é a história da ascensão e a queda de Tonho, o filho mais velho de Godofredo, que se tornou uma lenda para os irmãos. Tonho foi o primeiro a abandonar a casa paterna, contra a vontade do pai. Obteve vantagens no casamento na cidade e, por algum tempo, teve sucesso, para orgulho de todos os familiares. Mas depois as sua relações com a mulher se desmoronaram, ele arruinou a vida dela, foi viver em outra cidade e logo tornou-se tão pobre como quando saiu de casa.

Antônio Torres não tenta mostrar o caminho para a solução dos problemas colocados em seu livro. E talvez até não o veja inteiramente. Entretanto, seu romance é importante como tentativa de refletir sobre as complexas e múltiplas mudanças na sociedade brasileira nos últimos decênios. Com franqueza e grande expressividade, o escritor mostra a vida, ri da estupidez, condena o mal e defende o bem.