Adeus, Velho

Estado de Minas – quarta-feira 3 de março de 1982
Campomizzi FILHO

Os resultados do último censo nos mostram um esvaziamento rural. Áreas tradicionalmente agrícolas perdem, num desaguar constante, a mão-de-obra necessária à produção de grãos. Os pequenos municípios vêm sair anualmente respeitáveis contingentes humanos que se destinam aos grandes centros e que se amontoam na periferia das metrópoles. Essas migrações se acentuam de ano para ano, responsabilizando-se pelos amplos desafios que aí estão como marca de nosso tempo. Os meios de comunicação atuam buscando aqueles que ainda permanecem no campo. É que as cidades se apresentam em luzes e em sons, numa constante promessa de felicidade. Praças se abrem como à espera dos novos habitantes. Ruas se oferecem num abraço de fraternidade. O chamamento continua, agindo por sobre os moços que desejam um Horizonte mais amplo para a realização de seus sonhos. Estudiosos se interessam pelo problema. Economistas pretendem fixar o homem na sua terra de origem. Busca-se uma vitalização doa núcleos mais modestos, impedindo-se esse fluxo que deve ter um paradeiro. De certo que nossas letras se contaminam com o tema que exerce certo fascínio. O caminhão passando mostra nas suas placas um aceno. Indica as maravilhas que se escondem além do horizonte. O motorista é o herói que conhece distâncias e que percorre o contingente, desvendando mistérios e alargando fronteiras. Sua conversa é alegre. Seus gestos são amenos. Versátil, não pára nas suas andanças. Sua figura funciona em termos de convite à aventura. Pois Antônio Torres, de vitoriosas experiências anteriores, nome que se impõe pela seriedade de seus trabalhos e pelas linhas ascendentes de sua criação, entrega-nos esse seu “Adeus, Velho”. O romance traz-nos um instante de despedida, passado e presente nordestinos se distanciando cada vez mais nessa ruptura entre o rural e o urbano. No vilarejo esquecido, mourejando num cotidiano sempre igual, está a casa grande onde a família se reúne nos domingos e nas festas religiosas. A igreja preside as atividades locais. As portas do templo se abrem para as missas conventuais e para as novenas dos santos da devoção. A menina, reagindo ao dia-a-dia sempre igual, conversa com o moço. Entra no carro pesado que transporta bons milhares de toneladas. Entrega-se a ela que se vai sem uma palavra de agradecimento, como se aquilo tudo, doação total, fosse apenas e tão somente o cumprimento de uma de suas tarefas. Depois, a vida prossegue. O velho é exigente. Cansado, já não tem muitas força para dirigir o clã. Os resultados econômicos dos roçados e do pastoreio não são muitos. Os filhos tomam outros rumos e urge que partam todos, permanecendo no pequeno império construído com renúncias e sacrifícios apenas um deles, preso à força telúrica de raízes que se aprofundam. Um, o mais novo, casou-se com mulher bonita e rica. Mas não é feliz, que lhe falta alguma coisa, sem que se identifiquem aquelas almas tão distantes na formação. Virinha, a moça, entretanto, sabe quanto quer. Não se dobra às vicissitudes. A primeira derrota, percebendo lá em baixo o casario pobre e ouvindo o repicar dos sinos para a oração, permite-lhe uma nova tomada de posição. Não se submete à marginalização e nem se fixa na condição de esposa criando um filho atrás do outro. Mas é acusada de crime, eis que, convocada, surpreende-se diante do corpo exangue do antigo sedutor. As estações de rádio jogam a notícia a todos os cantos. A televisão transmite sua imagem. Não se importa ela, firme e capaz, ficando os pés no cão e encontrando o lugar que lhe cabe na cidade grande de múltiplas atrações e de enormes feridas. O velho morre. A figura patriarcal já não existe. Os filhos se distanciaram. O que fixou exige, em termos de domínio, as terras que seriam do grupo familiar. Um dos irmãos chegou a fazer fortuna como comerciante. Mas perdeu a cabeça e se foram os haveres. Hoje, com um pequeno negócio no Mercado Central, vê suas aspirações reduzidas. À visita do irmão que veio apressado para cuidar da libertação de Virinha teve avivadas velhas lembranças. Mas já estão todos rompidos, muito tênues aqueles laços que um dia os prenderam a todos em sangue e em fraternidade.

Existe o romance nordestino. Não desapareceu com os nomes prestigiosos que lhe deram vida. A estes se ajunta Antônio Torres, de qualidades próprias e de disposição rara. O jovem escritor conhece sua região. Sabe andar pelos seus caminhos, palmilhando estradas batidas e auscultando uma população sofrida. Os componentes dessa realidade lhe são familiares. Entende sua linguagem. Ama os horizontes onde vive uma gente que ainda crê no amanhã, apesar dos percalços e das vicissitudes. Dá às suas páginas um colorido que nos compromete com a paisagem, chamando-nos à sua trama e nos fazendo participantes dela. O jovem bancário que deixa tudo para socorrer a irmã, solidário e amigo, está também à procura de si mesmo. Mas é um elo entre o ontem e o hoje, uma espécie de resistência que se define ao toque das lembranças que ficam conosco e que nos perseguem. Na cidade, nem todos nos libertamos. Acompanham-nos alguns princípios com que não rompemos de todo. Seria esse o caso do rapaz que não se adaptou a esposa e o que está receoso de perder o lugar no estabelecimento bancário, importante, que lhes garante a sobrevivência em níveis bastante razoáveis. É essa a força de “Adeus, Velho”. Todos se despedem do pai que representa alguma coisa que não mais retorna. As cunhadas e os cunhados têm sua filosofia. Uma intriga doméstica divide o clã, os grupos formados ao impacto de pequenas tricas que resvalam para interesse econômico de uma herança em perspectiva. Esse é o fermento de que se serve Antônio Torres, com figuras humanas recortadas com especial carinho e recendo sua história de maneira a retratar tanto de nossa realidade social.