IstoÉ – Sobre “Adeus, Velho” – 6 de janeiro de 1982
Mário da Silva Brito
Este romance de Antônio Torres centra-se, ostensivamente, em quatro personagens, quatro irmãos, cujas desventuras, em vez de venturas, narra em ritmo frenético, num discurso veloz que nem sempre permite ao autor deter-se mais no retrato de cada uma delas, aprofundando-lhes a psicologia e o comportamento. Mas há uma personagem oculta que, na verdade, deflagra todo o drama, todo o pathos romanesco: é o velho pai Godofredo, de cuja dominação todos querem livrar-se a que preço for. Ele simboliza o passado, a manutenção dos valores éticos, e também econômicos, do clã familiar. Personifica a sociedade arcaica, caduca.
Pode-se propor leitura mais ampla de Adeus, Velho. Considerá-lo o romance da desagregação familiar, da sua decadência, do seu esfrangalhamento, da crise instaurada nesse núcleo social por via de vários fatores, que, ao fim e ao cabo, num só se resumem: a falida estrutura da sociedade, do Estado. Adeus, Velho é livro acerbo, feroz e impetuoso. Não deixa uma fresta por onde penetre ar mais puro. Todo ele acumula traficâncias, patifarias, ambições insaciáveis, sentimentos apodrecidos. A visão que deixa do Brasil é terrivelmente pessimista: trata-se de um país estuprado desde o dia 22 de abril de 1500, quando, descoberta a terra, nela se instalou a exploração colonizadora que, ao longo dos anos, através de outros dominadores, vem sufocando o destino nacional.
A esta altura o romance já impõe outra exegese. É crítica devastadora da visão do mundo proposta pelo capitalismo que, por açular egoísmos, extremar competições, impede o ser humano de se realizar plenamente, de amar o semelhante, de se unir pela solidariedade e repartir os frutos do trabalho, de aspirar ao justo. É possível apontar falhas, excessos verbais, algum desleixo formal neste romance de Antônio Torres. A narrativa, intempestiva em dados trechos, chega a descambar para o folhetinesco. Apesar disso, a obra se mantém viva. Porque corajosamente reveladora de uma realidade que muitos não querem ver. Porque dói. Dói como esta história de horrores. O que há de terrível neste livro é que tenha sido escrito. E o foi por imperativos de toda uma circunstância social deplorável.