A Tarde – Caderno 2, Salvador, 01/05/1997
Patrícia Moreira
Um autor, um cachorro e um lobo
Aos 56 anos, o escritor e publicitário baiano
Antônio Torres, que fez parte do seleto grupo de autores brasileiros
traduzidos no exterior e cuja obra é alvo de inúmeras teses acadêmicas
em universidades brasileiras e européias, está em Salvador, onde lança,
amanha O cachorro e o lobo. Na sexta-feira, ele estará no
projeto “Com a Palavra, o Escritor” (às16h30min, na Biblioteca central
da UFBA). Oitavo romance da carreira e uma continuação de sua obra mais
consagrada, Essa Terra, o novo livro é segundo o autor, “uma
tentativa de enternecer o mundo”. Entre um lançamento e outro, Torres
concedeu entrevista exclusiva ao jornal A Tarde.
PM – Você diz que O Cachorro e o Lobo é uma viagem de volta. Por que esse retorno ao ambiente do Junco?
AT – É um pouco uma espécie de fuga dessa realidade tão pesada, da violência urbana do Rio de Janeiro e de São Paulo. Antes de começar O Cachorro e o lobo, estava escrevendo um romance que se passava entre o Rio e São Paulo e ele acabou desandando. Passei a não mais suportar o peso dessa realidade. Daí surgiu a idéia da volta ao tema de Essa Terra e sentir prazer em fazer isso. Foi o livro mais prazeroso da minha carreira. É terno, leve, uma espécie de retorno à terra que me pariu. O que espero é que o leitor sinta esse mesmo prazer que tive ao escrever o livro, no fundo uma homenagem aos velhos contadores de historia que a pós-modernidade acabou.
PM – Entre Essa Terra e O Cachorro e o lobo o que mudou?
AT – Essa Terra Foi escrito num período muito pesado, em plena ditadura e o lançamento em São Paulo foi no auditório Waldimir Herzog, do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo. Em função disso, as pessoas começaram a ver o livro como uma metáfora da tortura e da violência (o jornalista Wladimir Herzog foi encontrado enforcado na prisão e a ditadura tentou passar a versão de que ele tinha se suicidado. Em Essa Terra o personagem principal é um baiano do Junco que parte para São Paulo, para tentar a sorte, volta para a Bahia 20 anos mais tarde, não suporta a cobrança do lugar por não ter vencido na vida e acaba se suicidando). Embora a linguagem seja bem poética, o livro é bastante trágico. Em O Cachorro e o Lobo, Totonhim é o irmão do outro personagem que também vai para São Paulo, onde fica 20 anos sem dar notícias, período em que convive com um fantasma na cabeça, achando que se retornar ao Junco vai repetir o gesto do irmão. Um dia recebe uma carta da irmã, dizendo que o pai vai completar 80 anos. Ele então decide retornar e, na convivência com o lugar, vai revendo sua própria história e recuperando a memória local. Quando escrevi Essa Terra, a jornalista Ana Arruda Callado, que é minha amiga, me disse que eu parecia estar querendo enlouquecer o mundo. Se fosse para fazer um paralelo, O Cachorro e o Lobo parece que quer enternecer o mundo, como se estivéssemos cansados dessa tragédia.
PM – Até que ponto você, enquanto autor experimenta o envolvimento com seus personagens?
AT – Uma certa vez, um estudando de Letras me disse uma coisa fantástica: que eu escrevia uma espécie de autobiografia abstrata. Meus livros não são autobiográficos, se baseiam nas minhas referências, mas tudo acaba virando ficção. Sou ficcionista, tudo passa pela estratégia do romancista, o cachorro e o Lobo foi escrito em primeira pessoa, uma forma de me colar ao personagem como se fôssemos uma mesma coisa. Tento quebrar o distanciamento entre o autor e personagem, o que também, permite ao leitor se colar à história.
PM – Que avaliação você faz do mercado editorial nacional atualmente?
AT – A literatura, de alguma maneira, está perdendo espaço no mundo. Há uma certa tendência a se fazer produtos – biografias encomendadas, projetos- que se vendam em larga escala. Mas ainda acho que há espaço para tudo. Veja, por exemplo, o Manoel de Barros, que fez um livro de poesia e ganhou o Prêmio Nestlé. Foi uma surpresa pra todo mundo. Outro caso é a Record (editora), que tem como tradição editar best ssellers, mas está criando uma nova griffe com autores nacionais, que está dando certo. A questão é como se faz e como se promove.
PM – Você trabalha como publicitário e também escreve livros. Como consegue conciliar as duas atividades? Quanto tempo você levou parra escrever O Cachorro e o Lobo?
AT – Tem gente que faz piada e diz que quem escreveu o livro foi minha mulher, Sônia. Na verdade, levei quatro anos para concluir a obra utilizando férias, feriados, alguns carnavais, Semanas Santas. Nesse período foram vários avanços, recuos, paradas. Em 1995, estava na Itália, lançando Essa Terra e durante uma discussão, na Universidade de Roma, comecei a fazer a viagem de volta. Se em 95 ainda se discutia um romance de 1976, eu estava no caminho certo. Durante a discussão, foi dito que talvez o que esse velho mundo precisasse era de uma velha história bem contada. O Cachorro e o Lobo é isso.