A virada histórica de Antônio Torres

Jornal do Brasil – Caderno B, 4 de Abril de 2000.
Ana Cecília Martins


Antônio Torres não gosta de dizer que faz sucesso. Nem contabiliza a venda de seus livros. Sabe, no entanto, que seus romances são bem acolhidos pela crítica e público. E É tudo o que diz sobre seus êxitos literários. Com cerca de 30 anos de estrada, o baiano nascido na cidade de Junco – rebatizada Sátiro Dias –, e radicado do Rio, leva na bagagem oito romances que hoje passeiam por mais de dez países. “Sou acima de tudo um romancista”, declara. No entanto, ele acaba de se lançar em um universo desconhecido: o da pesquisa biográfica. Desde 1996, Torres se dedica a refazer a história de Cunhambebe, índio guerreiro, morto aproximadamente em 1557, chefe supremo da confederação dos Tamoios, que uniu todas as aldeias indígenas brasileiras, de São Vicente a Cabo Frio. A história do indígena, vasculhada em meio a documentos e pesquisas de campo, está no livro Meu Querido Canibal.

“Esse trabalho de pesquisa É muito diferente de tudo que já fiz”, diz. “Se tem uma coisa que todo romancista busca É um grande personagem e Cunhambebe É maravilhoso. Nisso esse livro se assemelha ao romance. Cunhambebe foi o maior líder indígena que o Brasil teve no começo da colonização. Eu me deparei com ele nos livros sobre a história do Rio de Janeiro, e reparei que ele passa por toda a história oficial como um mero figurante enquanto, na verdade, É um personagem determinante na nossa história”.

Antônio não se satisfez com os documentos históricos aos quais teve acesso. “Os grandes livros de história me deram muito pouco. Foram relatos dispersos como os de Hans Staden que me deram suporte”, conta ele, que no livro reconstrói a história do período. “Quis encontrar outra história, pois a que vejo, há tempos, não me satisfaz, porque É sempre contada do ponto de vista do branco. Eu me empenhei em encontrar a história vista por aqueles que estavam aqui quando os portugueses chegaram”.

Para encontrar uma nova história, Antônio se lançou na aventura de percorrer os caminhos de Cunhambebe, na região de Angra dos Reis, em busca de algum vestígio seu. “Essa vontade de encontrar a história vista por outro ângulo pode ter a ver com a minha origem, com a cor da minha pele”, diz. “Quando fui a Angra dos Reis, tentando refazer as trilhas de Cunhambebe, visitei a aldeia Guarani, na serra da Bocaina. Foi impressionante. Vi as crianças nuas e me lembrei muita da minha infância. Eu me dei conta de que vivi, na roça, uma vida tribal e não sabia. A partir daí me identifiquei ainda mais com essa história”, conta.

As investidas do escritor resultaram em um texto sem jeito de biografia sisuda, sem rigidez. Antônio dispõe de suas estratÉgias de romancista para dar sabor aos relatos históricos. Usa a mesma linguagem enxuta para obter a mesma fluidez da narrativa, marca do bom contador de histórias que É. “Esse livro não É um romance, mas sei que muita gente vai ler como tal, pois É impossível o meu lado romancista não aflorar quando escrevo”.

Da experiência, Antônio trouxe a vontade de investir ainda mais em trabalhos de pesquisas biográficas. “Eu me apaixonei por esse trabalho. Mas É preciso tomar cuidado, pois o difícil da pesquisa É saber a hora de parar”, diz o escritor, que já programa biografar o francês RenÉ Duguay-Trouin, “o primeiro seqüestrador do Rio de Janeiro, que, em 1711, chegou com 18 navios e mais de cinco mil homens para fazer uma limpa no ouro da cidade”, explica Antônio Torres.

Para aqueles que esperam o próximo romance do escritor, ele avisa: “Já tenho dois temas para romances me coçando os dedos”, diz, sem revelar quais. “Jamais trocaria o romance pela pesquisa”, acrescenta. “Não gosto mais de um ou outro. Gosto, sobretudo, de escrever. E não quero ser um sambista de uma nota só. Agora descobri que gosto de escrever sobre todas as coisas”, conclui.