Estado de Minas – Sábado, 30 de agosto de 2003
Clara Arreguy
O novo presente literário do escritor Antônio Torres a seus leitores é o romance O Nobre Seqüestrador, que mescla uma série de vozes narrativa para dar vida à saga do corsário francês René Duguay-Trouin, responsável pela invasão de uma esquadra de seus país ao Rio de Janeiro, em 1711, que resultou em pagamento de resgate em ouro, dinheiro e bens, para a libertação da cidade sitiada. Para contar as aventuras dos corsários, naquela e em outras campanhas, mais os ‘feitos’ dos portugueses do Brasil, e ainda completar com a história da própria cidade do Rio de Janeiro, entrecruzam-se no romance narradores e tempo, sempre com senso de humor especial.
Começa pela voz da estátua de Duguay-Trouin em Saint-Malo, cidade natal do marinheiro, que conta suas venturas e desventuras, da infância numa família rica à s aprontações como estudante, primeiro no seminário, depois na escola de filosofia ‘ mas com aprendizado, mesmo, de malandragem e brigas. Há também a presença de outro narrador, o próprio escritor brasileiro, instigado por suas pesquisas a viajar para a Europa e investigar a importância de Duguay-Trouin para aquele momento histórico do planeta.
Por fim, quem assume a narração dos fatos é o Rio de Janeiro de própria voz, que conta sua história, desde os primórdios selvagens em que vivia até a chegada dos índios, posteriormente dos portugueses, as tentativas d invasão dos franceses, depois a vinda de dom João VI com sua corte de milhares de ‘nobres’, a Independência, o crescimento urbano e, hoje, como os movimentos da bandidagem promovem novos (e assustadores) cercos e seqüestros da segurança e bem-estar da população da cidade.
O bom humor de Antônio Torres faz ainda mais interessantes os episódios em torno dos envolvidos (cidades, personagens, fatos históricos). Promove momentos de reflexão sobre os interesses políticos e econômicos que moveram os corsários ‘ que ele explica serem piratas que agiam sob ordens de determinado país, e não por mero interesse privado ‘, sempre com comentários inteligentes e atualíssimos.
O Nobre Seqüestrador faz romance histórico sem se ater à s técnicas convencionais de narração, mas explorando todas as possibilidades que a escrita contemporânea permite. Dialoga com o leitor de forma a fazê-lo penetrar o universo do século XVIII sem perder o pé no XXI, com o senso crítico acentuado e a curiosidade de conhecer mais e mais as paisagens descritas: Saint-Malo (cuja história também tem vez), La Rochelle, baía de Guanabara. Um romance que se lê com rapidez e prazer redobrado.
Antônio Torres nasceu na Bahia, em 1940, e é um dos mais reconhecidos e premiados autores brasileiros de sua geração. Tem entre suas obras Um Cão Uivando para a Lua, Essa Terra, Um Táxi para Viena d’àustria, O Cachorro e o Lobo, Balada da Infância Perdida e Meu Querido Canibal.