Nelson Rodrigues Filho no Facebook
LI, GOSTEI E RECOMENDO AOS AMIGOS
QUERIDA CIDADE, na sua polifonia e na forma de metaficção, constrói a cidade que a história de cada um recupera, não na concretude, mas na força da memória e sua companheira, a imaginação. Desse modo, embora haja a presença ativa de um personagem (o Das Dores), fio condutor e fator de verossimilhança, as ocorrências vão se dando, no tempo da memória, que desconstrói a linearidade temporal, para deixar fluir a lembrança, que não discrimina o cotidiano, o sentimental, o histórico , realizando o que é mais característico da escritura romanesca, a reprodução do discurso do outro. Organiza-se, na sua literaridade, o já-visto, o já-lido, o já-ouvido, o já- dito, criando, nesse espaço citacional – que incorpora, no mesmo plano, o trágico, o cômico, o alusivo, a ironia, a paródia – a grande personagem, que é a cidade interior do sujeito, as diversas relações, universo de crenças, costumes, desgraças, hábitos, desejos, frustrações, na finitude do mundo, cujo limite é significado no limite da linguagem. Não me lembro se foi Benjamin o mestre que ensinou ser a ficção a história íntima de um povo, o que cumpre muito bem o romance de Antônio Torres, trazendo para a cena a intimidade e o cotidiano que é tarefa da ficção e a História não consagra. QUERIDA CIDADE cumpre muito bem a lição de Tostói, segundo o qual ser universal começa na pintura da própria aldeia. A narrativa de Torres “dialoga” prazerosamente com o leitor, fazendo-o parceiro e confidente.
TORRES, Antônio. QUERIDA CIDADE. Rio de Janeiro/São Paulo, Record, 2021.