O escritor não poupa os personagens

O Globo, 25/11/73

Através de um estilo transparente, perfeito, musical e cadenciado, Antônio Torres conta a estória dos “homens dos pés redondos”, governados pelo todo poderoso El Rey, que nunca aparece, habitantes de Ibéria, homens brancos ou pretos, ricos ou pobres, onde as mulheres de todos só existem na medida que servem aos seus homens e aos seus filhos.

Neste mundo meio fantástico e meio real, existe o Vaticano, guerras para todas a gerações, ao mesmo tempo que pessoas e coisas se transforma e desdobram em outras pessoas e outras coisas. Nesse sentido, Torres tem a mesma força e criatividade de um Garcia Marques. Só ainda mais tenso e um pouco menos livre.

O que impressiona; já nas primeiras páginas, é a atmosfera que o autor consegue criar, fazendo com que o leitor participe, com grande impacto, da linguagem, dos dramas e do ambiente dos personagens.

Antônio Torres não quer poupar os seus leitores nem os seus personagens. E através de um estilo, por vezes cru e agressivo, ao mesmo tempo altamente sofisticado, faz as suas pessoas se expressarem por meio de sonhos e flash-back, e, sempre, todos eles, na primeira pessoa.

Essa técnica brilhante, se possibilita uma comunicação mais direta entre leitor e o personagem, através das nuances de linguagem e pensamentos de cada um deles, faz o livro bastante difícil para os leitores apressados.

A grande variedade de assuntos, característicos de cada personagem, torna a obra muito densa. Talvez tivesse ficado mais harmônica e explícita se os diversos pontos de vista – político, intelectual, social e pessoal – tivessem sido tratados mais extensivamente.

Mas mesmo assim, “Os Homens dos Pés Redondos”, é um excelente livro, talvez ainda um pouco imaturo e apressado.

“Maria Helena:
         Sim, foi um lindo romance, um lindo romance de amor.
         Não o acuso de nada. Não foi ele quem inventou o mundo.
         Também não o acuso de ter agido apenas para satisfação própria, por motivos de vaidade pessoal.
         Essas coisas não se fazem sem motivo justo.
         Também não sou uma mulher de programas, como muitos homens pensam. Aceitei ir com este senhor, porque ele me pareceu disposto a tudo.
         Podem acusá-lo de brutalidade. É certo. A brutalidade está nele, como está em mim – e nos senhores doutores.
         Vivemos um tempo sem dó.
         A esta citação de Brecht, a acusação se inquieta:
         Silêncio! Maria Helena, silêncio.
         O acusado tem algo a declarar?
         O Acusado:
         Eu te amo, Maria Helena, flor do lodo da minha Ibéria. Me dá uma terceira oportunidade. Vai ser ainda melhor.
         Vozes na platéia:
         – Estão dizendo que ele é m agente. Um inimigo da nação.
         – É da CIA?
         – Não sei, mas parece.
         – Também dizem que ele se dedica ao contrabando.
         – É possível.
         – É. Não está dando mais para se confiar em ninguém.”