Revista Volare Club, de Caxias do Sul, RS, setembro 2014. Autor: Uili Bergamin

ANTÔNIO TORRES

Uma entrevista à revista Volare Club, de Caxias do Sul, RS,

publicada em setembro 2014.

Autor: Uili Bergamin

Antônio Torres é um dos maiores escritores brasileiros da contemporaneidade, autor de livros premiados e traduzidos em diversas partes do mundo. Nascido na pequena cidade de Junco – hoje Sátiro Dias – na Bahia radicou-se no Rio de Janeiro, residindo em Itaipava – Petrópolis.

Em novembro do ano passado, poucos dias após proferir palestra na Feira do Livro de Caxias do Sul, foi eleito para a cadeira número 23 da Academia Brasileira de Letras.

Confira abaixo a entrevista exclusiva que ele nos concedeu.    

Volare Club: Quem é Antônio Torres?

Antônio Torres: Baiano e brasileiro, paulista, carioca, petropolitano e estrangeiro.

VC: Quando e como surgiu sua vocação para a literatura?

AT: Fui despertado para a literatura por duas professoras. A primeira, dona Serafina – que ainda vive já quase centenária – fazia de sua escola um espaço para recitais de poesia (de Castro Alves, Gonçalves Dias, Olavo Bilac) e hinos patrióticos. A segunda chamava-se Teresa, e com ela tive meu batismo na ficção, ao ler o começo de Iracema, de José de Alencar, em voz alta: “Verdes mares bravios da minha terra natal, onde canta a jandaia na fronde da carnaúba”. Talvez tenha sido esse o dia em que o ficcionista aqui nasceu. Vivendo num sertão onde nem rio havia, danei a imaginar como seria o mar e a sonhar com ele. Não há como fugir disso: são as leituras que estimulam as vocações literárias.

VC: Há um tema específico sobre o qual o senhor escreve? García Márquez dizia que todo escritor elege um único tema e o desenvolve durante sua obra. O senhor concorda com isso?

AT: Uma vez, na cidade de Fortaleza, capital do Ceará – a terra natal de José Alencar -, li, no Diário do Nordeste, uma bela resenha assinada pelo seu editor de Cultura, Carlos Augusto Viana, na qual ele dizia que a ficção do locutor que vos fala está centrada na condição humana em seus contrastes. E que, colhidos ao cotidiano, meus personagens, à semelhança dos heróis trágicos, “fogem das coisas só para encontrá-las e delas se aproximam para perdê-las”. O sentimento dessas perdas talvez seja o mais recorrente nas minhas histórias. A ponto de levar meu filho Tiago a me questionar: “Pai, por que você escreve tanto sobre a morte?” Parei, pensei um pouco e lhe respondi: “Porque ela é o maior de todos os temas da vida”.

VC: Ao ler seus livros, percebe-se um trabalho de busca pela palavra certa, o le mot just, como diria Flaubert. Como é seu processo de escrita?

AT: Não chego ao exagero do poeta João Cabral de Melo Neto, cuja obsessão pela palavra no ponto exato levou um amigo dele, e meu, o português Alexandre O’Neill, a exclamar: “O João Cabral afia tanto a ponta do lápis que vai acabar cortando os dedos!” Mas também fico horas e horas mexendo e remexendo no texto, num corpo a corpo insano com ele, sempre a me lembrar de outro poeta, Carlos Drummond de Andrade: “Lutar com as palavras/ é a luta mais vã/ entanto lutamos/ mal rompe a manhã.

VC: Em sua trilogia, formada pelos livros Essa Terra, O Cachorro e o Lobo e Pelo Fundo da Agulha, o senhor descreve histórias de deslocamento social e cultural, vividos pelos personagens. Eles saem de Junco, na Bahia, assim como o senhor, para tentar a vida mais ao Sul. Pergunto: o que é fato e o que é ficção em sua arte?

AT: Digamos que há um fundo de realidade por trás de toda ficção. Por exemplo: a idéia do Essa Terra, que acabou sendo desenvolvida em três romances, surgiu de um fato real que me foi contado por um primo: o desfecho trágico de um imigrante de nossa terra que, poucos dias depois de haver retornado de São Paulo, foi encontrado com o pescoço pendurado a uma corda. Com essa imagem a perturbar meu sono, pois se tratava de alguém que conheci na minha infância, a história foi surgindo e ganhando forma. Já na 26ª edição no Brasil, o Essa Terra, que está chegando a 14 traduções, e, em alguns casos, levando junto O Cachorro e o Lobo e Pelo Funda da Agulha.

Conto isso para dizer que muito me surpreende o interesse despertado aqui e lá fora por essas narrativas escoradas num suicídio, um tema assustador.

VC: O senhor foi jornalista e já publicou livros em diversos gêneros como contos, crônicas e romances. Em qual deles o senhor se sente mais à vontade e por quê?

AT: Sim, tenho passeado por vários gêneros e cenários – rurais, urbanos e da história, como em  Meu Querido Canibal e O Nobre Seqüestrador, dois livros baseados em personagens que existiram – o guerreiro Cunhambebe e o corsário do rei Luís XIV, René Duguay-Trouin, que fez o primeiro seqüestro do Rio de Janeiro, em 1711. Ou seja: a predominância da minha produção é romance. Logo, esse é o meu gênero de eleição. Por que? Vai ver porque vim de um tempo em que se contava longas histórias ao pé de um fogão de lenha, para espantar o medo, nas noites do sertão.

VC: Como anda a literatura brasileira contemporânea? O senhor tem acompanhado o surgimento de novos nomes no cenário nacional? E os leitores brasileiros, prestigiam autores da casa?

AT: O cenário literário nacional anda animado, com muitos nomes surgindo em tudo quanto é canto, sendo que, a meu ver, os do Sudeste e do Sul acabam se impondo mais do que os das outras regiões. Minha sensação, porém, é a de que temos hoje mais editoras do que livrarias, e mais escritores do que leitores. No meio disso surge um problema de difícil solução, ou sem solução: a quase total submissão brasileira ao imaginário global. Do jeito que a coisa vai, com a “gringada” tomando conta do pedaço, nós é que vamos nos tornando estrangeiros em nossa própria casa. Como querem os traficantes de drogas, está tudo dominado.

VC: Está trabalhando em um novo projeto? Se sim, pode adiantar algo?

AT: Há um romance em processo, que tem sofrido brutais interrupções. Mas não posso adiantar nada sobre ele, se não o perderei definitivamente.

DROPS

  • Um livro: Memórias Póstumas de Brás Cubas
  • Um personagem: Brás Cubas
  • Um autor: Machado de Assim
  • Um sonho: escrever sempre.

Entrevista ao Blog CliSertão – em Petrolina, 05/05/12

Entrevista com Antônio Torres

Antônio Torres nasceu no pequeno povoado do Junco (hoje a cidade de Sátiro Dias), no interior da Bahia, no dia 13 de setembro de 1940.

Aos 32 anos lançou seu primeiro romance, Um cão uivando para a Lua, que causou grande impacto, sendo considerado pela crítica “a revelação do ano”. O segundo Os Homens dos Pés Redondos, confirmou as qualidades do primeiro livro. O grande sucesso, porém, veio em 1976, quando publicou Essa terra, narrativa de fortes pinceladas autobiográficas que aborda a questão do êxodo rural de nordestinos em busca de uma vida melhor nas grandes metrópoles do Sul, principalmente São Paulo.

Hoje considerada uma obra-prima, Essa terra ganhou uma edição francesa em 1984, abrindo o caminho para a carreira internacional do escritor baiano, que hoje tem seus livros publicados em Cuba, na Argentina, França, Alemanha, Itália, Inglaterra, Estados Unidos, Israel, Holanda, Espanha e Portugal.

Em resumo: autor premiado, com várias edições no Brasil e traduções em muitos países, Antônio Torres é um dos nomes mais importantes da sua geração, com um obra expressiva que abrange 11 romances, 1 livro de contos, 1 livro para crianças, 1 livro de crônicas, perfis e memórias. além de dois projetos especiais (O centro das nossas desatenções, sobre o centro do Rio de Janeiro – e que rendeu um documentário para a TV Cultura, São Paulo -, e O circo no Brasil, da série História Visual, da Funarte, Fundação Nacional de Arte).

*Texto adaptado do  site oficial  do autor.

A seguir, uma pequena entrevista concedida por Antônio Torres ao nosso blog:

CLISERTÃO – Você estará na mesa “Sertão: espelho, miragens – O Nordeste Mítico e o Nordeste Contemporâneo na Literatura”. O que você pode adiantar da discussão que será trazida para a mesa?

Antônio Torres – O que posso adiantar é que será um prazer participar do Clisertão, em Petrolina – ou seja, à beira do São Francisco e de cara para a Bahia, o meu estado natal. Alegria maior é estar à mesa com o meu querido amigo Raimundo Carrero, escritor que muito admiro e parceiro de tantas jornadas. Quanto ao tema – O Nordeste mítico e o Nordeste contemporâneo na literatura, é uma oportunidade para refletirmos sobre as permanências do legado literário nordestino e suas transformações, em função das mudanças de paradigmas no nosso tempo.

CLISERTÃO – Você tem uma trilogia célebre, iniciada por “Essa terra”, de 1976, seguida por “O cachorro e o lobo”, de 1997, e finalizada com “Pelo fundo da agulha”, de 2006. Todos os livros são ambientados no sertão da Bahia, mas um sertão que muda ao longo dos romances, se moderniza, conhece o progresso. Como o senhor vê e trabalha o sertão?

Antônio Torres – Frequentemente recebo notícias do sertão em que nasci, dando conta da realidade de violência que o assalta, deixando-o em pânico. O que me leva a pensar que o sertão que migrou acaba retornando carregado dos estereótipos (urbanos) da modernidade, sendo o mais notório deles o do tráfico de drogas. No quadro atual, o sertão mítico, ao que me parece, cede o seu lugar de referência a uma cultura de massa imposta pela lógica do consumo – o que afinal está por trás dos índices de violência que conhecemos. A minha sensação é que o mundo está todo igual – no que tem de pior.

CLISERTÃO – No último livro da trilogia a questão da identidade perdida é muito explorada. O personagem sertanejo já não se encaixa nas suas memórias. Fale um pouco do “Pelo fundo da agulha”.

Antônio Torres – Esta é a história: um homem na cama, na primeira noite de sua aposentadoria. Só que era São Paulo esta noite, a cidade onde você é capaz de suportar tudo, quase tudo, menos a falta do que fazer. Eis o conflito básico do personagem cujas marcas (sertanejas) de origem afloram em sua memória. E toda a história passa a girar em torno de uma imagem: a da mãe dele, já velhinha, enfiando uma linha pelo fundo de uma agulha – sem óculos. E tudo o que ele deseja naquele momento é ir ao seu encontro, para saber como ela via o mundo através daquele ínfimo buraco. “Pelo fundo da agulha” é também um balanço da vida de um nordestino, com um certo olhar amoroso para a cidade que lhe acolheu, lhe deu espaço de sobrevivência e experimentações, mas também com a sensação de não-pertencimento.

CLISERTÃO – O fato de você ser nascido no sertão, no povoado de Junco, terra natal também do personagem principal da trilogia, influencia a literatura que você produz?

Antônio Torres – Um ponto de partida: um caso real que me contam, uma lembrança de um rosto, de uma voz, de uma situação que me marcou. Mas o começo depende da primeira frase. Ela é que vai dar o tom do texto, e puxar a fabulação. Muita gente pensa que tudo, ou quase tudo, que escrevo é autobiográfico. Bom, não acho que tenha uma vida capaz de caber em 11 romances, um livro de contos etc. Mas que minhas vivências têm me dando um adjutório considerável, isso tem.

CLISERTÃO – Por que, em sua opinião, o sertão é matéria-prima tão recorrente na literatura brasileira?

Antônio Torres – Imagino que é porque o sertão gerou muitos escritores. Mas não foi um sertanejo que disse: “Escreva sobre tua aldeia que escreverás sobre o mundo” – bem, estou citando isso de memória.

CLISERTÃO – “Sobre Pessoas”, seu último livro, é de crônicas, perfis e memórias. Como foi trabalhar com esse novo formato?

Antônio Torres – Foram uns exercícios efêmeros, como um descanso entre um romance e outro. Mas gostei de publicar um livro com textos, digamos, mais leves, enquanto ganho fôlego para um voo mais largo. O que já venho ensaiando há tempos.

No CLISERTÃO, Antônio Torres estará na mesa redonda “Sertão: espelho, miragens – O Nordeste Mítico e o Nordeste Contemporâneo na Literatura”, no dia 15/05,juntamente com o escritor Raimundo Carrero (PE). A mediação será da  Profª Elisabet Moreira (UPE/IFE).

Entrevista a Joba Tridente

Correio Braziliense – Segundo Caderno, 8 de agosto de 1976.
Joba Tridente

Nessa Terra

ITABUNA, 28/7/76, 10 horas da manhã, Hospedaria da Ceplac:

– Você conhece este livro, NUMA TERRA ESTRANHA?

– Deixa eu ver…; não é este aqui?

– Ah, não!

– Este eu também tenho, é o ESSA TERRA de Antônio Torres. Eu comprei e estou lendo; quero botar em pauta quando eu voltar a Brasília, agora este aqui é o livro de James Baldwin…

– Acho que vi ou li, não sei, em inglês!

– Eu gosto dos livros de Antônio Torres, se bem que este, ESSA TERRA, é o primeiro livro dele que leio. Os títulos dos outros dois livros, dele, são incríveis. Ainda não pintou de eu ler não, mas vai pintar.

– Qual são os outros livros dele?

– O primeiro foi UM CÃO UIVANDO PARA A LUA e o segundo OS HOMENS DOS PÉS REDONDOS…

– Se você tivesse chegado ontem, dava tempo de você fazer uma entrevista com ele…

– Ele estava por aqui?

– Ele veio fazer o lançamento do livro; mas acho que já foi embora.

– Espera um pouquinho…; deixa eu ligar pra um amigo…; é ele já foi embora, está em Salvador, vai fazer o lançamento do livro lá, na sexta-feira…; acho que vai dar tempo da gente falar com ele…

N’ESSA TERRA HÁ TERRA E N’ESSA HÁ OS HOMENS DOS PÉS REDONDOS

SALVADOR, 31/7/76, 10 horas, da manhã, Livraria Civilização Brasileira:

– Olha, eu não sei onde ele está hospedado não…; e lançamento do livro dele, foi ontem à noite, aqui…; deixa eu ver com um pessoal aqui…; olha, me parece que ele está na Pousada Colonial…

– Tem telefone lá?

– Alô… Antônio Torres?… Tem um amigo meu aqui, de Brasília, jornalista do CORREIO BRASILIENSE, que estava a fim de fazer uma entrevista…; espera um pouquinho que você fala com ele…

– Alô, Torres?… Você está bem?… A gente podia bater um papo…; a que horas?… OK, estamos indo…

SALVADOR, 31/7/76, 11:30 da manhã, Pousada Colonial

– Podemos começar?

– Olha, vai ser um bate-papo bem informal…

– O Antônio Torres, como está sendo a aceitação do ESSA TERRA pelo público – leitor?

– Muito boa. O livro está acontecendo de uma forma tão incrível que as vezes sinto até medo…

– Você sabe que sempre vi os seus livros, fiquei com uma vontade incrível de ler, mas nunca pintou…; e eu sou realmente apaixonado pelos títulos deles…

– Eles estão com edições esgotadas…; mas devem ser relançados brevemente. Eu ainda estou estudando as possibilidades do relançamento com as editoras que estão interessadas.

– Tem muita editora interessada?

– Tem!

– Agora né!!!!

– Eu acho que OS HOMENS DOS PÉS REDONDOS, você ainda encontra.

– E o leitor como está agindo e reagindo ante ao ESSA TERRA e ao Antônio Torres?

– Bom eu acho que o livro tem um grande poder de penetração, por se tratar de um assunto, que de certa forma é uma realidade de cada um. O leitor está conseguindo se encontrar no contexto do livro e eu acho isto muito favorável. O livro é de uma linguagem de fácil compreensão e interação do público-leitor…; ele se liga muito mais no livro, quando deixa o autor de lado.

– Você fez uma palestra para os alunos da Universidade Santa Cruz, de Itabuna, não fez? Como é que foi a reação do pessoal?

– Fiz sim…; aliás este é um trabalho que a gente já começou a desenvolver há algum tempo…

– … Ele deve ser a terceira pessoa?

– Terceira pessoa?

– É o seguinte, a gente estava conversando com o Telmo Padilha, e falamos da possibilidade de se trazer o pessoal do Bum-Literário para fazer palestras em Itabuna; nós sabíamos que os escritores que estavam fazendo estas palestras pelas universidades eram três: Loyola, João Antonio…; mas o terceiro a gente não sabia quem era…; esta terceira pessoa é você?

– É, sou eu. Este trabalho que a gente está desenvolvendo é muito bom. A gente quebra aquele “tabu” que existia com relação ao escritor, que sempre foi colocado num pedestal…; num ponto inatingível e se coloca frente-a-frente com o leitor, para dialogar com ele a problemática abordada no livro. É como escrever outro livro, sabe? A gente dialoga com o pessoal, fala do processo de elaboração do livro…; nós somos três escritores de estilos diferentes; abordamos literalmente problemas sociais…; mas cada um com um ângulo de visão, então o englobamento dos trabalhos faz as obras mais compreensíveis. A importância maior, mesmo, eu acho que está no fato de podermos levar o romance, a obra até o público-leitor e dialogar com ele sobre o trabalho da gente…

– Quanto tempo você levou para escrever ESSA TERRA?

– Dois anos…; Terminei em julho de 75

– E foi fácil para editar?

– O editor foi ao Rio buscar os originais, em 24 horas já havia lido e relido e me disse que faria uma tiragem de 30.000 exemplares…

– É realmente o livro está muito bem elaborado, a diagramação, a programação visual, as ilustrações do Elifas Andreato estão sensacionais…; você que chamou o Elifas para ilustrar?

– Não, foi o próprio editor. Eu só vim conhecê-lo no lançamento do livro. O Elifas disse que este era um dos melhores livros que já havia lido. Leu umas dez vezes. Viajou para varias cidades do nordeste fotografando os lugares por onde ele passava, procurando se integrar cada vez mais no contexto do livro…

– Acho que o Elifas está muito em evidência…; acho que ele devia dar um tempo…; a gente vê ele em tudo quanto é lugar…; é capa de disco, revista, jornal, livro… acho que ele vai acabar cansando e vai ser uma pena porque ele é um cara incrível…

– É, eu no principio, cheguei a ficar com medo de que não conseguisse passar a realidade do meu romance…; já o conhecia do livro do Murilo Rubião e do Roberto Drummond, e o meu é de um temática completamente diferente…; mas me enganei ele conseguiu para o leitor a essência de cada personagem, numa sequência maior que a do livro; ele deu uma nova estrutura. Eu gostei muito…

–  … A Ligia Chiappini, a prefaciadora, eu também não conhecia.

– O Torres, você escreve a muito tempo?

– Há muito tempo, desde guri. Aos 17 anos comecei a trabalhar como redator em jornal, aqui mesmo na Bahia. Aos 21 comecei escrever ficção.

– Você sempre escreveu romances…; quer dizer, você também escreve contos, poemas…

– Eu escrevo mais é romance. Eu comecei escrevendo só contos, contos, contos, até que acabei escrevendo romance.

– E este seu trabalho anterior, os contos, há possibilidade de editá-los?

– Não! Eu acho impossível, estão todos sem terminar, não tem técnica nenhuma de escrita…; eu acho que não…; não vejo esta possibilidade…

– Ué, você poderia fazer uma edição de Contos Inacabados!

– HA! HA! HA! HA! HA! HA! (risos).

– Eles realmente são muito fracos, sem estrutura, cheios de defeitos…; aproveitável eu acho que somente o “Na Ilha”, se passa em Ilha Bela, mas mesmo este vejo dificuldade de recuperação. Houve uma grande evolução desde os meus primeiros escritos, até o ESSA TERRA…; e UM CÃO UIVANDO PARA A LUA, está cheio de defeitos, mas eu jamais conseguiria reescrevê-lo. Já se passou muito tempo.

– Mas a crítica sempre aceitou muito bem os teus livros!

– É, realmente eu sempre fui muito bem aceito pela crítica, mas sabe o que acontece; você escreve, escreve e vai desenvolvendo uma técnica de escrita e então você percebe os erros cometidos anteriormente…

– Você acha que antes de ESSA TERRA você era um autor conhecido pela crítica ou pelo seus livros?

– Pela crítica evidentemente. Se bem que os livros estão esgotados, mas há o problema de distribuição…; e naquela época a gente não fazia palestras, e as editoras só distribuíam os livros nos grandes centros. Hoje, está havendo uma melhor distribuição e uma melhor elaboração na apresentação do livro. A Editora Ática, está fazendo um trabalho incrível, distribuindo o livro no Brasil todo e a um preço bem acessível…

– O ESSA TERRA, tem alguma coisa a ver com os outros dois livros?

– Tem! Mas tem mais a ver com o primeiro…; é UM CÃO UIVANDO PARA A LUA às avessas.

– Com a estrondosa aceitação do ESSA TERRA, mudou muita coisa, em termos editoriais, para você?

– Ah, mudou muito. Agora, já uma série de editores a fim de publicar trabalhos meus, inclusive interessadas na reedição dos anteriores.

– Torres, você aconteceu no Bum-Literário?

– Esse negócio de Bum-Literário, é criação do Pasquim!

– Pode ser, mas eu acho que realmente houve um Bum-Literário e foi muito importante esta explosão. Ela trouxe uma “pá” de gente nova e ainda muita gente já conhecida mas inéditas…

– Eu concordo contigo, houve uma conscientização maior em termos literários. Houve uma maior mudança temática e formal. A gente, realmente, com este Bum-Literário, pode mostrar ao público-leitor um trabalho novo, criativo, que supera qualquer “enlatado”…

– … Eu cheguei a conclusão, que a gente está fazendo uma literatura, melhor que muitos gringos por ai.

– É o trabalho literário dos novos está muito bom. Se bem que novo-novo eles não são, inéditos sim. Os que estão acontecendo agora, muitos deles estavam nas gavetas ou prateleiras…

– Eu dou muita força sabe, o leitor brasileiro ainda não acredita no escritor brasileiro, ou melhor ele não acredita no brasileiro em qualquer que seja o trabalho que ele se propõe a fazer, em qualquer campo artístico. Agora, quando um brasileiro acontece lá fora, ai é que ele vira BRASILEIRO, é incrível meu irmão, mas a verdade é esta e é por isso que eu dou a maior força a este Bum, sabe? Ele está provando que temos condições de fazer um bom trabalho e de alto nível em qualquer área…

SALVADOR, 31/7/76, 13:30, da tarde, Pousada Colonial:

– O Antônio Torres, você tem alguma outra profissão, além de escritor?

– Tenho, sou publicitário!

– Publicitário?

– É sou Redator de Publicidade da Standard…; a gente tem que sobreviver não é?

– Você escreve para alguma revista?

– Sou correspondente da Escrita e Versus.

– Você pode adiantar alguma cosia do seu próximo romance?

– Não! Eu apenas fiz uma pauta, antes de sair de férias, e deixei na gaveta da escrivaninha, só quando eu voltar é que vou  vê-la, estudá-la e me preparar pro próximo livro.

– Você pretende fazer o lançamento do ESSA TERRA em Brasília?

– Não vai ser possível, devido ao tempo. Aqui na Bahia, eu já fiz o lançamento, aproveitando minha férias…

Entrevista a Patrícia Moreira

A Tarde – Caderno 2, Salvador, 01/05/1997
Patrícia Moreira

Um autor, um cachorro e um lobo

Aos 56 anos, o escritor e publicitário baiano Antônio Torres, que fez parte do seleto grupo de autores brasileiros traduzidos no exterior e cuja obra é alvo de inúmeras teses acadêmicas em universidades brasileiras e européias, está em Salvador, onde lança, amanha O cachorro e o lobo. Na sexta-feira, ele estará no projeto “Com a Palavra, o Escritor” (às16h30min, na Biblioteca central da UFBA). Oitavo romance da carreira e uma continuação de sua obra mais consagrada, Essa Terra, o novo livro é segundo o autor, “uma tentativa de enternecer o mundo”. Entre um lançamento e outro, Torres concedeu entrevista exclusiva ao jornal A Tarde.

PM – Você diz que O Cachorro e o Lobo é uma viagem de volta. Por que esse retorno ao ambiente do Junco?

AT – É um pouco uma espécie de fuga dessa realidade tão pesada, da violência urbana do Rio de Janeiro e de São Paulo. Antes de começar O Cachorro e o lobo, estava escrevendo um romance que se passava entre o Rio e São Paulo e ele acabou desandando. Passei a não mais suportar o peso dessa realidade. Daí surgiu a idéia da volta ao tema de Essa Terra e sentir prazer em fazer isso. Foi o livro mais prazeroso da minha carreira. É terno, leve, uma espécie de retorno à terra que me pariu. O que espero é que o leitor sinta esse mesmo prazer que tive ao escrever o livro, no fundo uma homenagem aos velhos contadores de historia que a pós-modernidade acabou.

PM – Entre Essa Terra e O Cachorro e o lobo o que mudou?

AT – Essa Terra Foi escrito num período muito pesado, em plena ditadura e o lançamento em São Paulo foi no auditório Waldimir Herzog, do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo. Em função disso, as pessoas começaram a ver o livro como uma metáfora da tortura e da violência (o jornalista Wladimir Herzog foi encontrado enforcado na prisão e a ditadura tentou passar a versão de que ele tinha se suicidado. Em Essa Terra o personagem principal é um baiano do Junco que parte para São Paulo, para tentar a sorte, volta para a Bahia 20 anos mais tarde, não suporta a cobrança do lugar por não ter vencido na vida e acaba se suicidando). Embora a linguagem seja bem poética, o livro é bastante trágico. Em O Cachorro e o Lobo, Totonhim é o irmão do outro personagem que também vai para São Paulo, onde fica 20 anos sem dar notícias, período em que convive com um fantasma na cabeça, achando que se retornar ao Junco vai repetir o gesto do irmão. Um dia recebe uma carta da irmã, dizendo que o pai vai completar 80 anos. Ele então decide retornar e, na convivência com o lugar, vai revendo sua própria história e recuperando a memória local. Quando escrevi Essa Terra, a jornalista Ana Arruda Callado, que é minha amiga, me disse que eu parecia estar querendo enlouquecer o mundo. Se fosse para fazer um paralelo, O Cachorro e o Lobo parece que quer enternecer o mundo, como se estivéssemos cansados dessa tragédia.

PM – Até que ponto você, enquanto autor experimenta o envolvimento com seus personagens?

AT – Uma certa vez, um estudando de Letras me disse uma coisa fantástica: que eu escrevia uma espécie de autobiografia abstrata. Meus livros não são autobiográficos, se baseiam nas minhas referências, mas tudo acaba virando ficção. Sou ficcionista, tudo passa pela estratégia do romancista, o cachorro e o Lobo foi escrito em primeira pessoa, uma forma de me colar ao personagem como se fôssemos uma mesma coisa. Tento quebrar o distanciamento entre o autor e personagem, o que também, permite ao leitor se colar à história.

PM – Que avaliação você faz do mercado editorial nacional atualmente?

AT – A literatura, de alguma maneira, está perdendo espaço no mundo. Há uma certa tendência a se fazer produtos – biografias encomendadas, projetos- que se vendam em larga escala. Mas ainda acho que há espaço para tudo. Veja, por exemplo, o Manoel de Barros, que fez um livro de poesia e ganhou o Prêmio Nestlé. Foi uma surpresa pra todo mundo. Outro caso é a Record (editora), que tem como tradição editar best ssellers, mas está criando uma nova griffe com autores nacionais, que está dando certo. A questão é como se faz e como se promove.

PM – Você trabalha como publicitário e também escreve livros. Como consegue conciliar as duas atividades? Quanto tempo você levou parra escrever O Cachorro e o Lobo?

AT – Tem gente que faz piada e diz que quem escreveu o livro foi minha mulher, Sônia. Na verdade, levei quatro anos para concluir a obra utilizando férias, feriados, alguns carnavais, Semanas Santas. Nesse período foram vários avanços, recuos, paradas. Em 1995, estava na Itália, lançando Essa Terra  e durante uma discussão, na Universidade de Roma, comecei a fazer a viagem de volta. Se em 95 ainda se discutia um romance de 1976, eu estava no caminho certo. Durante a discussão, foi dito que talvez o que esse velho mundo precisasse era de uma velha história bem contada. O Cachorro e o Lobo é isso.

Entrevista a Diego Damasceno

Salvador, domingo 19/09/2010
Diego Damasceno

“Não sou sambista de uma nota só”

Pode ser o tempo, pode ser a distância. A verdade é que, ao viajar do Rio de Janeiro, onde mora, para a cidade de Sátiro Dias, sua terra natal, Antônio Torres sentiu-se como alguns de seus personagens: fora do lugar. “Já não há mais aquela sociabilidade dos fins de tarde, a rua fica deserta, todo mundo em casa, pendurado na televisão”, disse. Situada a cerca de 250 km de Salvador, Sátiro Dias também não é um nome familiar para Torres. Quando ele nasceu, em 13 de setembro de 1940, o local se chamava Junco, e foi assim que passou para suas histórias. Um exemplo é  Essa Terra, romance que mostra o retorno de um retirante e seu livro mais conhecido. Foi traduzido em sete países e acaba de entrar na lista do vestibular da Universidade do Estado da Bahia (Uneb). O sucesso também trouxe a pecha de escritor regionalista. “Faz sentido até certo ponto”, diz, lembrando livros como O nobre seqüestrador, de inspiração histórica, e sua estréia na literatura, Um cão uivando para a lua, um relato urbano. Autor de 11 romances, Torres compareceu ao seminário Narrativas e viagens do Junco ao mundo: 70 anos Antonio Torres, na Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs). Lá, o autor conversor com Muito.

Aos 70, novas histórias continuam aparecendo?

Sempre, sempre. Eu vivo de escrever falar sobre isso. Vivo viajando e falando disso. No caminho dessas viagens, você vai sempre se municiando de novas paisagens, novos cenários, novo imaginário, novos personagens, novas histórias. Acho que elas sempre aparecem desde a que agente esteja vivo.

Então pretende continuar escrevendo-as? Trabalha em alguma nova?

Eu dei um tempo. Entre 2006 e 2007, eu publiquei três livros. Pelo fundo da agulha, um livro infantil muito bonitinho – bonito que eu digo é graficamente; Minu, o gato azul; e um livro de crônicas, perfis e memórias chamado Sobre pessoas. Então foram três livros em um ano. Aí, decidi dar um tempo para mim mesmo, até para “reassuntar” a minha própria literatura.

O senhor acredita que o tempo mudou seus motivos para escrever?

Acho que sim, porque de alguma maneira você faz parte do tempo. Você percebe o tempo, percebe o que está mudando. Talvez essa minha parada estratégica seja para repensar minha própria literatura. Minha editora me perguntou: quando você vai fazer um novo romance? E eu falei: eu estou tentando colocar os pés no nosso tempo. Nesse mundo. E aí ela falou assim: não ponha os dois, não. Basta um (risos).

O que acha de ser chamado de escritor regionalista?

O que leva a isso é o meu título mais forte até hoje, que é o Essa terra (1976), que gerou uma trilogia com O cachorro e o lobo (1996) e com o Pelo fundo da agulha (2006). Também tenho mais dois romances dentro dessa espécie de polígono das secas literário. O Carta ao bispo (1979) e o Adeus, velho (1981) . Mas eu não sou um sambista de uma nota só, quer dizer, luto para não ser um sambista de uma nota só. Passeio também por ambientes urbanos, em livros como Um cão uivando para a lua (1972) e  Um táxi para Viena d’Áustria (1991), só para dar dois exemplos, e por romances que fazem uma espécie de interface da história, como no caso de Meu querido canibal (2000) e  O nobre seqüestrador (2003). Logo, essa impressão de que eu sou um escritor regionalista faz sentido até um certo ponto. Quem leu só o Essa terra ou a trilogia pode ficar com essa impressão. Mas se buscar mais do meu trabalho verá que não é bem assim.

A que atribui o sucesso de Essa terra?

Para mim, é um mistério, porque é um romance que tinha tudo para ser um fracasso. É a história da viagem de volta de um personagem que acaba se matando. Não entendo como é que essa história de fracasso virou sucesso. Eu não saberia explicar. Um crítico uma vez me disse que era pelo tom emocional do livro. E pelo seu lado poético também. Eu não sei, a crítica tem dito coisas assim, tem aventado essas possibilidades. Ou pela carga de realidade que está por trás dele. Só que é um realismo brutal, e eu sinceramente fiquei surpreso, até hoje eu sou.

Porque a forma do romance o atrai?

No sertão, quando eu era menino, se falava do “rimance”, o romance em verso, que vem a ser o cordel. Daí, “rimance”. Isso causou um encanto, a palavra desceu tão redonda que eu quis ser romancista. Isso é uma explicação, mas não é toda. Você pode ter uma sensibilidade mais afinada com uma história curta ou já vir com a mente adequada para o poema. Meu primeiro romance, a idéia era escrever um conto. Não sei como se processa dentro de nós, talvez cada indivíduo tenha já dentro de si uma inspiração qualquer para um gênero. Não é comum grandes romancistas serem grandes contistas. Ou o contrário. Claro, Machado de Assis joga bem nos dois. Mas não dá para comparar o Jorge Amado romancista com o contista, o Gracíliano romancista… Talvez eu escreva romance por incapacidade de escrever um poema ou uma música. Tocar um computador não faz o mesmo efeito de um piano. Mas busco no computador alguma sonoridade ao ouvido do leitor.

O senhor tem criticado o escritor-celebridade. A Flip (Festa Literária internacional de Paraty) é um evento criticado por supostamente estimular esse papel. Como foi sua experiência na feira, em 2007?

Acho que eu não criticaria mais… Não mantenho essa visão da sua pergunta. Porque acho que estamos em um momento muito delicado para a literatura. Os espaços nos jornais estão diminuindo, a competitividade estrangeira é muito forte, a sedução dos produtos que nos trazem o imaginário global é avassaladora, e eu acho que o escritor brasileiro tem que encontrar o seu espaço nesse mundo. E aí, as feiras, as festas literárias, têm sido um bom palco para o escritor. Minha experiência como Flip foi a melhor possível. O Público que vai para lá vai à procura dos autores. E eu fiquei realmente impressionado, que eles vão para comprar seus livros, não vão só para ouvir você. Não é só o aspecto da badalação. Ao contrário. Nesse caso, a badalação em torno da Flip beneficia os autores convidados porque os leva a serem mais lidos.

Sem crítica, o que a literatura perde?

Perdemos os nossos interlocutores. Nossos mediadores. Nossos avaliadores. E isso nos leva a uma tremenda solidão. Não há literatura que cresça, que possa crescer sem a contrapartida da critica, eu sou um exemplo disso. Devo muito de meu desenvolvimento literário a críticos como Hélio Pólvora, Carlos Nelson Coutinho, Marcos Santamita, que escreveram elogiando ou mesmo apontando defeitos dos meus livros de forma muito objetiva, o que me levou a pensar meu próprio caminho de escritor. Eu fui muito ajudado por esses críticos, imagine uma nova geração toda que está surgindo aí e que vai pouco a pouco perdendo esse dialogo como a crítica. Espero que voltemos ter espaço para a crítica.

Como nasceu sua candidatura à ABL?

Foi o Aleiton [Fonseca, poeta e professor universitário]. Ele foi ao Rio, teve uma longa conversa comigo, dizendo que era uma vaga da Bahia, que eu tinha que concorrer. Só que eu entrei atrasado. E me disseram isso de cara. Mas acharam muito boa minha candidatura. Não me arrependo, Relaxei também quando vi que não ia ganhar.

Voltaria a se candidatar?

Isso é para o futuro. É um assunto delicado, sobre o qual a gente não deve falar.

Como foi essa história de reescrever 33 vezes o mesmo capítulo?

Foi com Um Táxi para Viena d’Áustria. Eu tenho obsessão por reescrever, por isso meus livros demoram tanto. Quando acabei o livro, mandei para a editora, na época a Companhia de Letras, aí o editor [Luiz Schawarcz] me escreveu, disse que gostou do livro e pediu para eu dar uma olhada no capitulo tal. Quando olhei, eu disse: poxa, bendito editor. Aquele capítulo todo em diálogo estava meio cansativo. Aí fiquei reescrevendo, reescrevendo… Levei 33 vezes, e foi aí que começaram a surgir coisas. Bendito editor que me levou a achar o texto. Então, quando um editor disser para você, meu jovem escritor, ”dar uma olhada”, não se zangue.

Em suas idas e vindas, em algum momento sentiu-se desenraizado como alguns de seus personagens?

Sim. Ipatinga, Minas Gerais. Feira de livros em um shopping. Eu entro naquele shopping, fico me perguntando se estou no Brasil ou se estou em Amsterdã. Há um aspecto do nosso mundo hoje, parece que a singularidade desapareceu. Mesmo no Junco, cheguei lá ontem, as moças parece que estão em Ipanema. O jeito de vestir, o comportamento, o estilo. E aí eu me sinto meio estrangeiro nesse tempo, no sentido existencial. Parece que estamos num grande aeroporto o tempo todo. Em Junco, não tem shopping, mas tem a presença da internet, da televisão, já não há mais aquela sociabilidade dos fins de tarde, as pessoas na calçada, a rua fica deserta, a praça deserta, todo mundo em casa pendurado na televisão, Dá um estranhamento.

Entrevista a Mànya Millen

O Globo – Caderno Prosa e Verso, 28 de Agosto de 1999
Mànya Millen

Antônio, o escritor
Autor de “Essa Terra” lança contos sobre sua infância e prepara livro sobre Cunhambebe

A data é meio quebrada – são “só” 27 anos dedicados à literatura, marcados pela estréia com o romance “ Um cão uivando para a lua”, de 1972.Mais o escritor Antônio torres não precisa de números redondos parra comemorar. Além de ver reeditados pela Record, sua casa editorial há tempos, dois de seus principais títulos (“Balada da infância perdida” e “Os homens dos pés redondos”), o baiano nascido há quase 59 anos na pequena cidade de Junco, hoje chamada Sátiro Dias, também lança “meninos, eu conto”, que reúne três contos inéditos (em livro) em torno das suas memórias de infância e juventude.

– Por isso está sendo tratado como um livro infanto-juvenil, mas eu digo que é para jovens dos 12 aos 80 anos – brinca Torres, que escreveu os três na década de 70 e os considera um embrião de “Essa Terra”, seu maior bes-seller, de 1976, traduzido em nove países. – É claro que são lembranças, observações, mas não posso dizer que seja biográfico, porque para mim desaparece essa fronteira entre ficção e realidade.

Ainda menino, autor redigia cartas em troca de doces

“Meninos eu conto” cheira a uma época em que o autor, ainda moleque, carregava o apelido de Tote, hoje transformado em placa que decora a sua biblioteca doméstica. E como o único alfabetizado na região, já mostrava seu pendor para o ofício futuro escrevendo cartas para a população local, como a personagem Dora, vivida por Fernanda Montenegro no filme “Central do Brasil”.

– Nesse tempo recebi os melhores direitos autorais da minha vida. Nos dias de feira eu comia um monte de doces de graça – conta ele.

No momento, Torres está novamente mergulhado no passado. Mas num passo longínquo, que dá conta das primeiras décadas da História do Brasil. De lá, o escritor pinçou aquele que se transformou em personagem dileto e que até o fim do ano vira livro, sob o título “Meu querido canibal”: o índio Cunhambebe, o terrível devorador de portugueses.

A História narrada pela ótica dos perdedores

Paixão pela saga do chefe Supremo dos Tamoios nasceu durante a pesquisa para o livro sobre o Centro Rio

A começar pelo título do livro, Antônio Torres não faz a menor questão de esconder que tomou partido dos índios sim. Particularmente da coragem e da personalidade de Cunhambebe, o primeiro Chefe Supremo da Confederação dos Tamoios, organização que resistiu ferozmente, até onde foi possível, ao domínio dos colonizadores portugueses. “Meu querido canibal” vai contar a História pela ótica de quem perdeu, de terras à própria vida, numa narrativa que equilibra a técnica do romancista aos dados colhidos em pilhas de documentos e livros.

– Em alguns momentos vai parecer um livro de História, em outros um romance e até uma crônica. E, no fundo, o que estarei fazendo é a biografia não-autorizada de Cunhambebe – classifica Torres. – Essa questão do canibalismo mexe com as pessoas, mas Cunhambebe e sua tribo eram guerreiros e não perdoavam os inimigos, devorando-os para ingerir sua coragem. Parece só um ato de selvageria, mas tinha um conceito.

Além da base histórica, Torre diz estar escrevendo sobre Cunhambebe, que viver e morrei em Angra dos Reis, como se fossem grandes amigos, porque ao romancista interessa mais a fabulação. Essa amizade nasceu em 1996, quando o escritor recolhia dados para o livro ”Centro: das nossas desatenções”, da série Cantos do Rio, do Rioarte, editado pela Relume-Dumará. Da pesquisa brotaram histórias e a paixão pela vida de personagens como o canibal que morreu de peste e o pirata francês René Duguay-Trouin, o próximo que Torres quer transformar em livro.

Reedições mostram a continuidade da obra.

O amor pelos personagens está na fonte de outra paixão de Torres: tanto o índio quanto o pirata trazem com eles não só a História do Brasil como especificamente a do Rio de Janeiro, cidade que o baiano adotou em 1974 e onde nasceram seus filhos, Gabriel e Tiago.

– Sempre digo que para mim existem três grandes cidades: Rio, Paris e Nova York. Todas elas são realmente maravilhosas, mas só aqui existe o calçadão que vai do Arpoador ao Leblon – derrete-se ele. – E é a própria cidade que me pede para continuar. Com o sucesso do livro sobre o Centro vi como o carioca ama a história de sua cidade. Comecei a receber muita coisa sobre o assunto. Isso me deu um prazer imenso e me incentivou muito. Agora estou aproveitando todo o material.

Em poucos dias Torres estará indo a Angra dos Reis refazer a trilha de Cunhambebe. E nessa parte do livro vai dar vazão à ficção, criando um personagem que confronte as invasões de ontem e hoje:

O que me impulsiona a botar a minha alma nesse projeto é saber que os índios não tiveram escolha: era a escravidão ou a morte.

Embora possa ficar enumerando horas a fio as qualidades de Cunhambebe e as atrocidades cometidas em solo brasileiro pelos colonizadores. – “Sei que vou perder alguns amigos portugueses, ma a História é História, conforma-se ele- o autor não se esquece de seus outros filhos literários, principalmente as reedições de Balada da infância perdida” e “Os dos pés redondos”. Para ele, elas servem para relembrar aos leitores a construção de uma obra consistente.

A inspiração na História e nos versos de Lorca

– Há toda uma geração que ainda não tomou conhecimento desses livros, esgotados há muito tempo. Trazer esse acervo literário de volta mostra que tudo faz parte de um processo. Meu romance mais recente não nasceu hoje, faz parte de uma parede que estou construindo há tempos.

Ao reler “morrendo de medo”, por exemplo, “Os homens dos pés redondos”, de 1973, uma espécie de alegoria sobre os estertores do salazarismo em Portugal – refletindo a vivência de Torres naquele país durante três anos – ele diz ter ficado gratamente surpreso.

– Afinal é um livro de 1973, eu era jovem, me sentia um bicho solto no mundo – compara o escritor, que em breve terá reeditado seu não menos elogiado “Um táxi para Viena d’Austrália”. – Mais fiquei alegre porque ele se mantém atual.

Atual também, lembra o autor, é a “Balada da infância perdida”, do começo dos anos 80, e que mostra 25 anos de História do Brasil. A obra foi inspirada num poema de Lorca, ”Balada da pracinha”, com as lembranças do verso, Torres escreveu o romance.

As reedições e o lançamento do livro,” Meninos, eu conto”  vem somar-se à uma produção  contínua, que desde 1996, com o livro sobre o Centro do Rio, vem rendendo louvores ao escritor. Em 1997 ele lançou “O cachorro e o lobo” (já traduzido para o francês) e, em 1998, “O circo no Brasil”, um belíssimo volume de luxo editado pela Funarte.

Para o autor, escrever não é um ato solitário

Entre homenagens como o recebimento do título de chefe des Arts et des Lettres, concedido pelo Governo francês, durante o Salão de Livro de Paris em 1998, e o empréstimo de seu nome à biblioteca pública de sua cidade natal – abrigada na escola primária em que ele rabiscou suas primeiras linhas – Torres vai construindo sua sólida parede literária.

Dessa parede fazem parte temas que lhe são sempre caros, como a memória afetiva, explicitada nos delicados textos de “Meninos, eu conto”. Nas narrativas “escritas mais com o coração do que com a razão”, como diz o próprio autor na apresentação do livro, está a palavra calorosa, quase íntima do leitor, marca dos textos de Torres.

– Ainda hoje, quando eu vou escrever um romance, me vem à memória aquele garoto que redigia cartas lá no interior da Bahia – conta o escritor. – Eu gosto de castas porque são dirigidas a uma pessoa, estou falando com alguém que estaria ali na minha frente, Por isso não acho escrever um ato solitário e isso transparece em meus livros, além de estar como os personagens à minha volta, estou me comunicando com alguém que é muito real.

Entrevista a Carlos Ribeiro

ENTREVISTA – Antônio Torres lança edição comemorativa de 25 anos do romance Essa Terra.
Jornal A Tarde – 11/06/01
Carlos Ribeiro

“SEMPRE ME COLOQUEI AO LADO DOS OPRIMIDOS”

Um dos mais importantes romances da literatura brasileira contemporânea, Essa Terra, de Antônio Torres, ganha reedição comemorativa aos 25 anos, pela Record. O acontecimento trouxe, mais uma vez, o escritor baiano, autor de O Cachorro e o Lobo e de Meu Querido Canibal, para debaixo dos holofotes: somente na X Bienal Internacional do Livro do Rio de Janeiro, realizada recentemente, ele participou de dois debates e de uma sessão de autógrafos, no estande da Record. A agenda cheia do escritor inclui a participação em um café literário, na Piazza Navona, em Roma, e (ainda este ano) na Feira Internacional do Livro em Guadalajara, no México, onde será lançada a edição em espanhol de Essa Terra, pela Casa de Las Américas. Além disso, já foi proposta, por uma editora espanhola, a publicação de Meu Querido Canibal, para todos os países de língua hispânica.

Na entrevista a seguir, feita no café da livraria Letras e Expressões, em Ipanema, Torres fala sobre o interesse crescente pela obra dele, sobre os temas que ela suscita, como a solidão, o suicídio e o sentimento de não-pertencimento de seus personagens. E afirma: “É preciso que os autores regionais persigam um texto que esteja inserido na contemporaneidade e que estejam mais afinados com as questões do nosso tempo”.

P – Ao que você atribui o interesse crescente por sua obra, além, é claro, de sua evidente qualidade literária?

R – A um conjunto de fatores: primeiro, da minha inserção no quadro internacional. Os meus livros estão sendo editados em muitos países, têm sido temas de teses em várias universidades, na Itália, na Alemanha, em Portugal. Tenho recebido convites para vários congressos. Deve-se considerar, também, a minha passagem para a editora Record, num momento em que ela deixava de ser um contêiner de best-sellers estrangeiros, para tornar-se uma grife de autores nacionais, com a entrada de Luciana Villas-Boas.

P – A Record está reeditando seus livros anteriores. Isto se deve ao sucesso alcançado por o Cachorro e o Lobo?

R – Consegui, com a edição de O Cachorro e o Lobo, uma unanimidade da crítica, em 1997. Ele ficou nas listas de melhores e ganhou o prêmio hors-concours de romance da União Brasileira de Escritores, do Rio de Janeiro. No ano passado, foi publicado na França com uma excelente repercussão, não só da crítica francesa, como da belga e da suíça. Daí, a editora fez um programa de novas edições: relançou Os Homens dos Pés Redondos e a Balada da Infância Perdida, publicou o livro de contos Meninos, Eu Conto e lançou, fortemente, Meu Querido Canibal. Todos tiveram enorme repercussão.

P – O sucesso dos seus livros são uma prova de que é possível ser um autor bem-sucedido sem fazer concessões?

R – Sim, e isso me dá uma grande satisfação, porque nunca escrevi nada para ser vendido. Nunca fiz concessão de espécie alguma, nem política, nem ideológica, nem mercadológica. Nunca submeti meu texto a uma ideologia, embora seja um autor de esquerda. Sempre me coloquei ao lado dos oprimidos.

P – Você se considera, como os personagens do seu livro, um retirante?

R – A minha trajetória pessoal de retirante plasmou meu próprio texto, minha escrita. O fato de ter sido arrancado da minha terra foi fundamental na construção do meu imaginário e isso se reflete no meu texto. Carlinhos de Oliveira dizia que o meu texto situava-se no eixo do deslocamento nacional. Eixo de mão dupla: deslocamento externo e o interior, da repercussão dessa viagem dentro dos personagens. Isso dá um caráter diferenciado dos autores localistas. Essa Terra não é regional, no pé da letra. Por isso, talvez, ele seja cada vez mais apreciado no exterior.

P – Isso se deve também ao fato de suscitar questões relativas aos Estudos Culturais, tão em voga atualmente nas universidades americanas?

R – Existe uma contextualização dentro do quadro internacional. Ele está sendo discutido dentro de questões contemporâneas, como o pós-colonial, o lugar do não-pertencimento, do descentramento do homem no seu espaço cultural. Tudo isso leva o texto a ser enquadrado dentro dessa discussão.

P – Qual o problema principal dos escritores que moram fora do eixo Rio-São Paulo?

R – Afora os mineiros e os gaúchos, todos reclamam dessa questão de estar fora do eixo Rio-São Paulo. Eu penso o seguinte: é claro que existe uma concentração excessiva da produção, da distribuição e da circulação nesse eixo. Mas, no caso do Nordeste, a coisa agrava-se por falta de iniciativas locais que criem pólos regionais fortes na área do livro. Existem estatísticas que apontam para um número muito baixo de vendas de livros em todo o Nordeste: apenas 14% em todo o quadro nacional. Isso enfraquece as editoras da região.

P – É preciso realmente morar no Rio e em São Paulo para se conseguir uma projeção em nível nacional?

R – Existem muitos autores que penam por não estar aqui (lá), onde as coisas realmente acontecem. Inclusive gente que vem com produção desde os anos 60 e não consegue retomar o passo no eixo editorial. Mas, no caso da Bahia, existem nomes de muita visibilidade nacionalmente. É o caso de Ruy Espinheira Filho e Ildásio Tavares, que têm seus espaços. Luiz Antonio Cajazeira Ramos está despontando bem por aqui (lá). Agora mesmo, Myriam Fraga participou do júri de um prêmio importante, o Maison de France – Finac, do Consulado Francês, que vai premiar a melhor tradução francesa no Brasil, nos últimos anos.

P – A questão básica, me parece, não é de discriminação em relação a escritores de outras regiões, mas de uma certa indiferença com relação a quem não está convivendo ali, num mesmo espaço…

R – O que eu acho é que os baianos precisam mexer-se mais. Mesmo porque, não é verdade que se fechem as portas para autores nordestinos. O Rio é muito aberto, basta ver a quantidade de autores de outros Estados que se integraram à vida cultural da cidade, como José Lins, Graciliano Ramos, Rubem Braga, Fernando Sabino. É preciso estar no lugar certo. Glauber Rocha dizia que todas as cidades são uma aldeia nos seus lares e bares, e a aldeia do Rio de Janeiro é a zona sul. É Copacabana, Ipanema, Leblon. O badalo aqui é no centro da cidade ou nesse eixo.

P – Como você vê a produção literária que é feita hoje fora desse eixo?

R – É preciso que os autores regionais persigam um texto que esteja inserido na contemporaneidade, que estejam mais afinados com as questões do nosso tempo. É preciso sair da dicção neoparnasiana, neo-rilkiana, da qual muitos poetas de hoje estão impregnados. Isso não só no Nordeste, como também no Rio. Devemos evitar o modernoso, mas é preciso estar mais afinado com a linguagem da contemporaneidade.

P – Que diferença existe entre a abordagem do sertão em seus livros e a do romance realista dos anos 30, por exemplo?

R – Hoje, o Brasil urbanizou-se e, talvez, os meus livros estejam preenchendo esses espaços, mas numa perspectiva muito diversa. Na verdade, existem muitos livros com a dicção dos anos 30, e não dá mais para se fazer isso. O Nordeste hoje continua com problemas dos anos 30, mas já não é mais o mesmo. A urbanização chegou lá. Eu estive agora em Junco, atual Sátiro Dias. O que vi lá: uma cidadezinha cheia de antenas parabólicas, internetada, asfaltada, mas triste. Os jovens estão todos fora e lá é, agora, um mundo de velhos indo para a igreja, encomendando a alma a Deus porque estão perto da morte. Havia uma sociabilidade que não tem mais hoje. É desse interior que estou tratando. O Cachorro e o Lobo trata disso.

P – O que permanece igual? O que liga o agora com o passado?

R – Uma coisa, que havia antes, continua: o suicídio. Um primo meu se enforcou, e as pessoas dizem: igualzinho ao seu livro. Há casos de suicídios de crianças: uma menina de 15 anos e um menino de 16 mataram-se. Uma amiga fez algumas perguntas que calaram fundo em mim: Como foi, o quê, por quê? Algo ligado à solidão? À falta de perspectivas? Esse é o problema existencial mais forte do ser humano. Camus tratou disso em O Mito de Sísifo, quando disse: pouco importa que o dia tenha 24 horas, que a Terra tenha movimento de rotação, quando o homem se pergunta se vale a pena viver.

P – O suicídio está relacionado ao desenraizamento físico, geográfico, que passa a ser um desenraizamento existencial?

R – A questão resume-se no seguinte: talvez o homem que troca o seu lugar por outro perca o seu lugar e não conquiste o outro. Refiro-me, no caso, à massa de retirantes. Vale dizer que não é a seca que expulsa, é a civilização que atrai. Ela cria a sedução do progresso da modernidade. Senti isso na minha infância com o surgimento, em Junco, do primeiro caminhão, que endoideceu o lugar. Era a promessa do divertimento, o sonho do consumo, surgido no final dos anos 50. A estrada era a viabilização do sonho de partir.

P – Um sonho semelhante, hoje em dia, aos brasileiros que vão morar no exterior?

R – Sim, daí o fato de os meus livros encaixarem-se na questão da diáspora, do lugar do não-pertencimento, tratados na contemporaneidade. O texto acopla-se nessa questão, que é um fenômeno novo, no Brasil, que é o da migração para o exterior. O cineasta Paulo Thiago me disse: “O seu personagem não está em São Paulo, ele está nos Estados Unidos”.